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5 de fevereiro de 2010

A entrevista, o desabafo e a verdade

Um indivíduo, numa discussão em um bar, com uma faca que lhe está à mão, mata seu desafeto. Outro, premido pela necessidade da sociedade de consumo, arromba a janela de nossa casa e de lá subtrai objetos que nos são caros e que compramos com o suor do trabalho. Ainda mais um é surpreendido em barreira policial trafegando com um veículo furtado, com placas falsas e sem documentos. Não bastasse, dirige à autoridade que lhe pede os documentos os piores impropérios. Aquela, desconfiada da atitude agressiva e despropositada, lhe pede que faça o exame de bafômetro porque crê esteja embriagado, e o motorista, indignado, apesar de tudo o que fez e de todos os indícios, nega-se a se submeter ao exame do etilômetro alegando que não é obrigado a fazer prova contra si porque a Constituição de 1988 isso lhe garante.
Finalmente, algum político em pleno exercício de seu mandato popular, com cuecas e meias espaçosas, é flagrado recebendo fartas cédulas de empreiteiro que realiza obra para o governo de então e se põe em seguida a rezar, agradecendo as benesses da vida favorecida que se descortina, ao mesmo tempo em que esconde as cédulas nos espaços generosos de suas peças íntimas.
Em todos os exemplos acima, meramente exemplificativos entre tantos que poderiam ser elencados, se processo criminal houvesse, jamais poderíamos pensar em condenação com prisão em regime fechado aos declarados culpados. Por quê? Por que falhou a polícia, seja civil ou militar, no seu mister constitucional de apurar a prática do delito? Falhou o agente do Ministério Público, a quem cabe dar início e seguimento ao processo criminal com a produção de provas, ou falhou o Judiciário, ao qual cabia punir exemplarmente o responsável pelo delito cometido, colocando-o atrás das grades?
Arrisco dizer que não falharam, no mais das vezes, nenhum desses agentes. Estou vizinhando com duas décadas de atuação como promotor de Justiça. Ao longo desses anos, conheci muitos profissionais do Direito. Alguns medíocres e outros tantos destacados, como em todas as instituições formadas por seres humanos. A maioria, entretanto, seguramente honestos e comprometidos com suas profissões. Todos, cidadãos de suas comunas. Pais e mães de famílias bem formadas. Moradores das cidades das suas vidas.
Aflitos pelas mesmas angústias de todos das soluções não vindas de nossas antigas e permanentes mazelas.
Daí por que não deveria surpreender a entrevista, em tom de desabafo, do comandante do 11º Batalhão da Brigada Militar de Porto Alegre, dizendo-se cansado das prisões que seus comandados efetivam e que a Justiça relaxa. Solta, não por capricho dos juízes, desídia dos promotores ou negligência dos policias. Liberta pela leniência da legislação que nunca é reformada, embora todos digam saber que não atende mais aos anseios da sociedade e que só serve para desacreditar as instituições frente à população.
Enquanto não houver tal modificação, será essa a realidade. Prende e solta. Ou, o que é pior, nem prende.
Quem sabe este ano de 2010, de eleições, não seja um marco para cobrarmos projetos concretos que mudem a realidade que a todos já cansa e não serve para o engrandecimento de nenhuma instituição comprometida com os interesses da sociedade?

João Ricardo Santos Tavares - Promotor de Justiça

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