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19 de junho de 2010

Poema à boca fechada

Não direi
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisternas de águas mornas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas

Não direi
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que não me conhecem.

Nem todos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago

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