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14 de julho de 2013

Para refletir




Fui ver o lindíssimo filme de Pedro Almodóvar, Fale com ela, e saí pensando num conto de Carson  Mccullers, onde um homem conta que, antes de amar de novo um mulher, ele estava aprendendo a amar as pedras, as árvores, as nuvens. Nesse grande filme de Almodóvar, vemos amores raros, feitos de entrega, feitos de compaixão, com uma doação ilimitada a uma completa ingratidão, como escreveu Drummond, aliás, o poeta do amor impossível, que é o único e verdadeiro amor.
O amor já teve um toque sagrado, a magia de uma inutilidade deliciosa, já foi um desafio ao dia a dia que nos tirava da vida comum. Não existe mais o amante definhando de solidão, nem romeus e julietas, nem pactos de morte, não existe mais o amor nos levando para uma galáxia remota, a uma eternidade semirreligiosa. O amor tinha uma fome de compaixão pelo outro, de proteção à pessoa amada. Isso está acabando. O ritmo do tempo atual acelerou o amor, o dinheiro contabilizou o amor, matando seu mistério impalpável. Hoje, temos controle, sabemos por que amamos, temos medo de nos perder no amor e fracassar no mercado. O amor pode atrapalhar a produção.
A publicidade devastou o amor, falando na gasolina que eu amo, no sabonete que faz amar, na cerveja que seduz. Há uma obscenidade flutuando no ar o tempo todo, uma propaganda difusa do sexo impossível de cumprir. A sexualidade é finita, não há mais  o que inventar, já o amor não. O amor vive da incompletude e esse vazio justifica a poesia da entrega. Ser impossível é sua grande beleza. Amar exige coragem e hoje somos todos covardes.
O amor passa a buscar não mais uma entrega, mas um domínio. O amor vira um objeto de consumo, fast love, com absolescência programada para durar pouco. O amor deixa muito a desejar. Os amores duram três edições de Caras. Os casais se permitem num troca troca rápido e quantitativo. As próprias mulheres estão virando D.Juans. Vejam o périplo de atrizes que vão comendo, um por um , os modelos que surgem nas revistas, elas, que deixam se manter damas inatingíveis para pálidos quixotes românticos.
Estamos com fome de amor cortês, num mundo em que tudo perdeu aura. O terrível bombardeio que a cultura está trazendo nos sentimentos é invisível, mas pior que as bombas contra a Coreia. A cultura está trazendo um desencantamento insuportável na vida social. Tudo é tolerável, arrasamento de mistérios. Estamos com fome de infinito em tudo, na vida, na política , em tudo. Por isso o filme de Almodóvar cheio de compaixão sussurrada, parece um segredo religioso, uma saudade inexplicável de alguma coisa que existe aquém da vida. Ninguém está aguentando apenas utilidade e desempenho, poder e sucesso. Estamos virando coisas. Precisamos a aprender  a amar de novo as pedras, as árvores, as nuvens até chegarmos a nós mesmos.

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