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4 de outubro de 2013

Apenas para ler.

RAÇA, RELIGIÃO E ECONOMIA                               

"Caucasiano." Esta, assim aprendi, é, no meu caso, a resposta correta se me perguntam por minha raça. Na Ásia devo responder a essa pergunta com frequência. Na entrada em um ou outro país, no formulário de registro de um hotel ou numa clínica. Mesmo quando deveria preencher um pedido de licença para conduzir um carro, em Cingapura, tinha de especificar a minha raça. Raça importa. Essa é uma consequência da diversidade cultural do continente. Como em nenhuma outra parte da Terra, nos países da Ásia vivem juntas pessoas de cor de pele, línguas e religiões muito diferentes. Para distinguir essa variedade habitualmente o conceito de raça é utilizado. Para um europeu, e, especialmente, um alemão, como eu, o termo em si já é altamente delicado. Afinal, a História mostra que muitas vezes, com a atribuição a uma pessoa de determinada raça, o "valor" dessa pessoa também é determinado. Isso não é diferente na Ásia. Japão e Coreia, por exemplo, são países que têm fama de ser particularmente reservados com estrangeiros por aspectos raciais.
Pelo fato de a cor da pele ou a posição dos olhos nem sempre indicarem automaticamente a raça, em muitas sociedades asiáticas a afiliação religiosa serve como outra característica distintiva. Budistas, muçulmanos, hindus, cristãos, animistas e ateus há séculos vivem juntos em muitos países do continente. De fato, muitas pessoas já aprenderam a tolerar a religião diferente dos seus vizinhos. Não obstante, pessoas de filiação religiosa diferente, às vezes, são vistas como representantes de outra raça. E a partir dessa mistura de raça e religião surge um solo fértil para reiteradas explosões de conflitos sociais.
Na Índia, os constantes enfrentamentos entre pessoas de religiões diferentes provocam muitas vítimas de morte. Nos países do Sudeste Asiático, particularmente na Tailândia, nas Filipinas, na Indonésia e na Malásia, a mistura de raça e religião também leva a permanentes conflitos.
A Malásia é um caso particularmente exemplar pela combinação explosiva de raça e religião, e os problemas que pode causar uma política de ação afirmativa em favor de determinados grupos da população de um país inteiro.
Na década de 80 do século passado, a Malásia ganhou a atenção internacional como um dos tigres asiáticos que alcançaram taxas de crescimento elevadas pela abertura dos seus mercados e orientação para as exportações. O investimento estrangeiro direto, sobretudo na indústria eletrônica e têxtil, combinado com os baixos salários, a repressão dos sindicatos e dos direitos trabalhistas, juntamente com a intervenção do Estado em praticamente todos os setores da economia foram a base desse progresso.
Mesmo assim, o crescimento acelerado não serviu para resolver os conflitos étnicos e religiosos existentes dentro do país desde a independência, em 1957. A Malásia é uma sociedade multiétnica, multirreligiosa e multicultural, com 58% de malaios (todos muçulmanos), 27% de chineses (que são principalmente budistas, cristãos ou taoistas), 8% de indianos (hindus, cristãos ou muçulmanos) e 7% de populações indígenas (cristãos, muçulmanos ou filiados a religiões indígenas). O islamismo, no entanto, é a religião oficial do Estado. Embora os outros grupos étnicos vivam há gerações no país e tenham passaporte da Malásia, somente os muçulmanos são considerados "corretos" malaios. E esses malaios "corretos" desfrutam tratamento preferencial por parte dos programas governamentais de assistência, como os de ação afirmativa em muitas áreas, no sistema escolar e universitário e na aplicação para uma posição no governo, por exemplo. Membros de outros grupos étnicos e comunidades religiosas são discriminados. Critérios de concorrência estão suspensos. Em vez de capacidade, inteligência ou esforço, a raça e a religião são os critérios-chave de seleção.
Em tempos de prosperidade econômica geral, tal política de ação afirmativa podia passar despercebida. Mas o país há muitos anos enfrenta uma competição internacional mais rigorosa. A última crise econômica internacional e, especialmente, o declínio nos preços mundiais de matérias-primas levaram a perdas significativas de receitas do governo, das quais quase a metade vem da empresa nacional do petróleo e gás Petronas. A desigualdade da distribuição de renda fica cada vez mais evidente. Isso levou a uma crescente crítica à política de discriminação racial positiva e negativa, o que, por sua vez, incentivou a radicalização do Islã, porque os muçulmanos malaios defendem os seus privilégios. Em consequência, a repressão à oposição política e à sociedade civil, a censura da mídia, a centralização, o nepotismo e a corrupção também são resultados dessa política discriminatória.
O primeiro-ministro Najib Razak anunciou agora um "novo modelo econômico" para combater a crise. Mas o fim dos programas de ação afirmativa não é previsto. Na perspectiva do governo, no futuro eles deveriam ser mais transparentes e orientados por critérios de mercado. Detalhes dessa nova política ainda não são conhecidos. Mas os grupos privilegiados já preparam a sua resistência para se protegerem contra a concorrência. Enquanto o governo vê as consequências fatais da política racial para a harmonia social e a economia do país e procura alternativas viáveis, os grupos conservadores aumentam a sua pressão contra mudanças e a intolerância religiosa se torna mais forte.
A Malásia já foi um exemplo dos efeitos positivos de uma economia dinâmica e voltada para o exterior. Hoje, para os seus vizinhos, é sobretudo um exemplo de uma política de integração social e étnica falida. Por sobre o contexto regional, o caso da Malásia indica a problemática e as limitações de programas de ação afirmativa para superar as disparidades raciais e étnicas dentro das sociedades.

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