NO INICIO DO BLOG

13 de setembro de 2014

Humor e a língua portuguesa



Digo aos alunos que sou professor de Português quando estou em sala de aula, pois, fora do ambiente abençoado em que trabalho, volto a ser um cidadão à paisana, entregue às mais diferentes possibilidades de usos e interações, evitando, por causa do ofício, uma eventual intimidação ao meu interlocutor.
Enfim, por reconhecer os preconceitos que a língua cria, não sou fiscal do idioma, nem polícia da gramática. Isso não significa que meus ouvidos conseguem ficar surdos aos sons que por aqui chegam. A única diferença é que ouço tudo e todos como quem colhe matéria-prima, buscando bens preciosos. E são esses fatos linguísticos que nos levam ao tema de hoje.
O termo hipercorreção surge de um autopreconceito, já que se imagina errado o próprio jeito de falar. Por isso, procura-se imitar outro uso, tomado como correto e valorizado naquele contexto, mas, em algumas situações, perde-se o controle e nasce o desvio. A intenção de “corrigir-se”, apesar de boa, produz o erro. Também se dá o nome de hiperurbanismo a esse fenômeno, pois configura a clara intenção de imitar o uso alheio em busca de prestígio, fato comum nas várias inter-relações que a vida urbana é rica em criar.
Pensa-se usar o fino do idioma, mas o efeito é o contrário. Uma imagem para a situação é o cavaleiro que, ao tentar subir no cavalo, pega mais embalo que o necessário e cai do outro lado. Quer-se aplicar a norma culta, mas falta a destreza necessária. Há boa intenção, mas isso não basta.
Por isso, imagine uma entrevista de emprego:
- Há quanto tempo o senhor parou de estudar?
- Parei de estudar fazem 2 anos.
Tal resposta levará o entrevistador ironicamente a pensar que o candidato não devia parar de estudar, pois ainda há muito o que aprender. O verbo fazer não concorda com o tempo e isso gera um uso especial: “Parei de estudar faz 2 anos”.
O verbo haver é outro campeão em hipercorreção. “Haviam falhas no processo” ou “Se nãohouvessem tantos gols perdidos, a história do jogo seria outra” são exemplos de concordância plural em hora errada. Haver, no sentido de existir, forma uma oração sem sujeito e fica, nesse caso, no singular: “Havia falhas no processo” ou “Se não houvesse tantos gols perdidos…”.
Os casos são muitos, atingindo a todas as idades, regiões e bolsos, mas o exemplo que mais me toca (até pela proximidade regional do fenômeno) é o do caipira que, ciente de sua troca do “l” pelo “r” (como em “paster de vento” e “bicho marvado”), quer disfarçar esse uso que tanto o caracteriza. E no restaurante, em vez do garfo, pede ao garçom um “galfo”. É a hipercorreção ou hiperurbanismo em ação. Apesar das boas intenções, quer tanto ser correto que se perde o controle.

Nenhum comentário: