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25 de janeiro de 2011

Do lado de cá

Ninguém sabe, com certeza, o que acontece conosco quando a luz finalmente se apaga e fechamos atrás de nós a estreita porta da vida. Essa eterna questão já recebeu dezenas de respostas - nas mitologias, nas religiões, nas crendices populares, nos sistemas filosóficos -, mas estamos tão longe de resolvê-la quanto estava nosso antepassado das cavernas.
Alguns raros escolhidos contudo, alegam que já deram uma passada pelo outro lado e voltaram para contar tudo o que viram por lá. Plutarco menciona o caso de um tal de Arideus, habitante da Cilícia, famoso por sua falta de escrúpulos. Tendo dissipado toda a sua fortuna na juventude, vinha levando uma vida de deboche e vilania, usando de todas as baixezas possíveis para se tornar rico de novo. Ao perguntar ao oráculo se ainda teria alguma chance de melhorar de vida, a resposta enigmática foi que só depois de morto isso poderia ocorrer - e Arideus não esperou muito tempo para entender o sentido dessas palavras, pois caiu do alto de uma ribanceira, bateu a cabeça e morreu.
Três dias depois, no entanto, quando já se cumpriam os ritos para seu sepultamento, voltou `a vida, cheio de novidades. Não interessa a descrição daquilo que viu do outro lado, pois segue o padrão de experiências semelhantes, numa linguagem mais adequada para folhetos turísticos que promovam viagens de ida e volta ao além: luz, muita luz, feixe de galáxias luminosas, miríades de estrelas cintilantes, sinfonia feérica de planetas, ondas de, cataratas de luz, etc, ( já que estranhamente, ninguém volta falando nas labaredas e no forte cheiro de enxofre...).Interessa, isso sim, que Arideu mudou radicalmente depois disso, tornando-se o homem mais virtuoso da Cilícia, bom pai e amigo leal.
Há quem diga que foi a visão daquele mundo luminoso - e o medo de perdê-lo - o principal responsável por essa mudança. Eu, porém, que só conheço esse mundo em que vivo, prefiro acreditar que ele se corrigiu simplesmente, porque entendeu o valor de estar vivo. Miguel Esteves Cardoso, autor português de primeira, que também passou por uma dessas experiências de quase morte, diz isso melhor que ninguém:"Ver o azul do céu, essas merdas. E os dias.Começas a apreciar a vida, a respiração, acordar bem disposto, a água do banho".Antes se comprava tudo; depois do susto da morte, os prazeres são diferentes:"Traz uma humildade absoluta". diz ele, " que a gratidão, no sentido de olha lá a sorte que eu tive! Saber apreciar isso de estar vivo ! Os objetos pequenos, os cheiros das coisas. A riqueza do mundo,sem precisares comprar seja o que for". O estarmos aqui. O estar vivo. Isso basta.
Cláudio Moreno - Zero Hora - 25/01/2011 - E-mail cmoreno@terra.com.br

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