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11 de janeiro de 2019

ANÁLISE

No último domingo, dia seis de janeiro, foi aplicada a primeira prova da segunda fase da FUVEST 2019 (Fundação Universitária para o Vestibular), o vestibular da USP (Universidade de São Paulo), um dos exames de entrada mais concorridos no Brasil. No primeiro dia de provas da segunda fase há a prova de redação da FUVEST, na qual os candidatos devem escrever uma dissertação-argumentativa e, no texto de hoje, analisaremos a proposta de redação da FUVEST 2019.
O tema da prova de redação deste ano foi “De que maneira o passado contribui para a compreensão do presente?” e, diferentemente de anos anteriores, não coloca para os candidatos duas abordagens temáticas e sim apenas uma que pode ser resumida na seguinte pergunta: a História é importante para compreendermos o presente? E já adiantamos que, de acordo com o recorte temático da coletânea textual, a resposta é SIM, garrafal mesmo.
Por se tratar de uma “pergunta-tema”, os candidatos deveriam responder de que maneira o passado contribui para compreendermos o presente e por isso a importância do passado na compreensão do presente está intrínseca ao tema da proposta de redação. Deste modo, os candidatos que porventura argumentaram que o passado e a História não contribuem, isto é, não são importantes para a compreensão do presente descumpriram o tema.
Portanto, não há subjetividade aqui como em temas com viés filosófico, digamos assim. Há um conceito: a História e, assim, o passado são importantes para compreendermos o presente. Cabia aos candidatos reafirmar este conceito e mostrar, na sua dissertação-argumentativa, de quais maneiras o passado contribui para a compreensão do presente.
A coletânea textual é composta por cinco textos. O primeiro texto é um excerto de George Santayana (1863-1952), filósofo espanhol:
Neste trecho, Santayana difere “progresso” de “mudança”, já que este não é, necessariamente, consequência do outro. Para ele, o progresso depende da capacidade de retenção de algo a ser aperfeiçoado e, quando isso ocorre, a infância é perpétua.
Neste ponto, os candidatos tinham de entender como o autor usou a palavra “infância”, no sentido de “infante” intelectual, que nada aprendeu com as experiências vividas, as mudanças sofridas etc. Isto é: quem não aprende com as experiências e com as mudanças permanece infantil intelectualmente, não cresce e não vira adulto.
segundo texto da coletânea é um poema de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) sobre o trabalho do historiador:
Este poema de Drummond enaltece o trabalho do historiador, aquele que faz a faculdade de História e, desta maneira, ressalta a importância deste profissional, pois tudo o que passou já entrou para a História porque já é passado. O poeta o chama de importuno, já que o historiador pode depositar em nossa memória coletiva coisas que queremos nos esquecer ou fingir que não ocorreram.
Atualmente, temos alguns exemplos práticos disso que poderiam ter sido usados pelos candidatos em suas redações: discursos que relativizam ou, ainda pior, negam a escravidão de negros e índios no Brasil, o Holocausto da II Guerra Mundial, as torturas e as mortes oriundas do Golpe Civil-Militar no Brasil em 1964, a confirmação da ciência de que a Terra gira em torno do sol e de que não é plana dentre outras coisas ditas e repetidas por inúmeras pessoas.
terceiro texto da coletânea trata-se de uma foto de uma escultura e a sua descrição:
A escultura, de Flávio Cerqueira, descrita pelo Nexo Jornal chama-se Amnésia. Trata-se de um garoto negro derrubando sobre si mesmo uma lata de tinta branca, como se negasse sua negritude e a história da etnia negra marcada pela escravidão. Na verdade, quem normalmente faz isso, na prática, são as pessoas brancas que negam ou relativizam a escravidão no Brasil e o racismo que persiste até hoje em nosso país, como se a História estivesse errada, negando registros e pesquisas históricas e não aprendendo com elas, permanecendo na infância intelectual.
quarto texto é de Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo e professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que foi destruído em um incêndio em 2018:
O trecho do artigo de opinião de Castro traz para os candidatos um exemplo concreto de como a História e o passado são desvalorizados no Brasil, já que um dos principais museus do mundo foi destruído por chamas que poderiam ser evitadas. Então, fica a pergunta: num país como o Brasil onde museus não são valorizados, professores, historiadores, pesquisadores não são valorizados, como o passado pode contribuir para compreendermos o presente? Como reverter esta situação visando um futuro? Pois se não há aprendizado com a História, como compreenderemos o presente e como faremos um futuro sem os mesmos erros?
quinto e último texto é do filósofo, sociólogo e crítico literário judeu alemão Walter Benjamin (1892-1940):
Esta sentença de Benjamin retoma o primeiro texto da coletânea: a importância de aprender com o passado a partir de seu conhecimento. Se não aprendemos, seremos, para sempre, intelectualmente infantis.
Numa época em que as pesquisas científicas, o raciocínio crítico e questionar e o intelectualismos são desvalorizados por uma considerável parte da sociedade, a FUVEST aborda um tema de suma importância, pertinente com a atualidade e que sempre deve estar em debate.

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