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7 de abril de 2013

Ler...ler...ler e ler

Será a língua portuguesa tão complexa a ponto de enredar  àqueles que se propõem a dominá-la? Diante do fiasco de alguns homens públicos, profissionais em oratória, as pessoas comuns têm alguma esperança de expressar-se com maior clareza e eficiência? As respostas a essas duas perguntas são, pela ordem, não e sim. Para quem está empenhado em aperfeiçoar o manejo do idioma - não será necessário lembrar que em seu domínio, na fala ou na escrita, é crucial para o desenvolvimento profissional - as oportunidades e as ferramentas são cada vez mais numerosas. Livrarias, bibliotecas e dicionários estão acessíveis pela internet, e a oferta de instrumentos auxiliares vem crescendo em volume e qualidade.
Mal amparado por escolas que se evadem a qualquer menção à análise sintática, o brasileiro nem sempre sabe onde buscar régua e compasso para disciplinar a língua que fala. O português é uma entidade dinâmica, continuamente alterada e enriquecida por novas gírias, expressões, palavras importadas, mas essa fluidez não faz dela um território sem leis. As gramáticas devem cumprir o papel do esclarecimento do que é correto ou não na escrita. A exemplo da obra de Bechara. A fala, porém, omite muitas construções que seriam aberrantes na página impressa. "Vou no médico." O que é preciso é achar equilíbrio, mesmo nas diferenças de registro: um adolescente não pode empregar com os avós os mesmos termos que utiliza nas baladas com sua turma.
No Brasil, a gramática da língua oral foi alvo de um estudo pioneiro em 1969, quando o linguísta Rosso, da Universidade Federal da Bahia, desenvolveu o projeto Norma Urbana Culta. O trabalho, feito em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Recife, resultou em 1500 horas de gravações de discursos formais, entrevistas e diálogos, envolvendo profissionais graduados de diversas áreas. As transcrições servem, ainda hoje, como base de estudo para teses e artigos. Recentemente, o linguísta Ataliba de Castilho, um dos coordenadores do NURC, lançou uma obra de fôlego, baseada nesse material de análise. Sua nova Gramática do Português Brasileiro apresenta um recurso inovador em relação aos similares tradicionais: a análise sintática é feita sobre frases presentes no cotidiano do leitor. Essa aproximação com a realidade estimula a observação dos recursos da língua no dia a dia - nas conversas, nas novelas, nos noticiários, ou seja, seu livro é uma ferramenta excelente não apenas para aprender a língua, mas também sobre ela.
Nas últimas décadas, por força da urbanização, o fosso que separava a fala culta da "popular" tem se estreitado. Em meados do século passado, por exemplo,"a gente", não era aceito como um equivalente de "nós". Hoje, é uma forma perfeitamente apropriada. "Nós" ganhou certo ar formal. "De terno e gravata, a reunião é conosco. De bermuda e chinelo, pode falar com a gente mesmo", brinca o professor de português Sérgio Nogueira. "A gente fomos", é claro continua sendo o que sempre foi: um solecismo.
É saudável manter distância de modismos linguísticos, que logo viram vícios, como o do gerundismo. não é que "vou estar enviando" seja errado do ponto de vista gramatical. Mas o transbordamento de verbos ofende a frase, que diria a mesma coisa com um " enviarei" ou "vou enviar."
O gerundismo pegou porque alguns creem que essa é uma forma sofisticada de falar. Outros, com o mesmo propósito, recorrem ao bacharelismo, confundindo afetação com riqueza vocabular. Dizer mais com menos é o ideal. E"falar difícil" é andar na contramão do bom senso. No século XVII, o padre Antonio Vieira pregava a simplicidade: "o estilo a de ser muito fácil e muito natural"recomendava ele no Sermão da Sexagésima.
E aí se chega a uma recomendação que todo cidadão vem ouvindo desde que sentou a primeira vez nos bancos escolares: ler é indispensável para quem quer se expressar bem. E ler inclui de Machado de Assis  e Graciliano Ramos até um blog decente na internet - mas é preciso ler tudo - não uma coisa ou outra. Ler mostra infinitas possibilidades de expressão da língua, enriquece o vocabulário, e o bom vocabulário é o melhor amigo da precisão, ensina o leitor a organizar seu pensamento e ainda oferece a ele algo de valor inestimável: conteúdo. Ter coisas interessantes e pertinentes a dizer é o primeiro passo para falar ou escrever bem.

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