Mãe, acho que tem um poema debaixo da minha cama!
Quando menino, a poesia me assustava. Parecia ter dentes afiados, pernas desajeitadas,
mãos opressoras. E nem as mãos da professora mais dócil conseguiam me acalmar. Não
compreendia uma palavra, uma metáfora, uma rima pobre, rica ou rara. Não entendia nada.
Tentava adivinhar o que o poeta queria dizer com aquela frase entupida de imagens e sentidos
subjetivos. Achava-me incapaz de pertencer àquilo. Não conseguia mergulhar naquele mundo.
Eu, sem saber nadar em versos, afogava-me na incompreensão de um soneto; ela – a tão
sagrada poesia – não me afagava e me deixava morrer na praia, entre um alexandrino e um
heptassílabo.
Toda vez que eu era obrigado a decorar poesia, sentia vontade de sumir, de virar um
móvel e ficar imóvel até tudo se acabar. Por dentro, sentia azia, taquicardia, asma espontânea,
tremelique e gagueira repentina. Por fora, fingia que estava tudo bem. Eu sempre escolhia o
poema mais curto da lista que a escola sugeria.
Naquele dia, sobrou Pneumotórax, de Manuel
Bandeira, e eu queria ser aquele paciente para não precisar declamá-lo. Eu queria tossir, repetir
sem parar: trinta e três… Trinta e três… Ter uma doença pequena, uma desculpa qualquer, um
atestado médico assinado pelo meu avô que me deixasse em casa – não a semana toda, mas
só o tempo da aula.
Depois, para a prova de francês, não tive escolha: fui obrigado a decorar Le dormeur du
Val, de Rimbaud.
Eu lembro que, antes de ficar em pé de frente para o meu professor, eu queria
que alguém me desse dois tiros no peito. Queria ser esse soldado e dormir, tranquilo, na paz
celestial daquele vale até que a turma toda esquecesse a minha existência. Ou que a guerra
fosse declarada finda. Ou que eu fosse declamado culpado. A Primeira Guerra Mundial parecia
durar menos do que aqueles 15 minutos de exame. Minha boca está seca até hoje. Minhas
mãos estão molhadas até agora. Só eu sei o que suei por você, querida Poesia.
Aos 17, a poesia ainda me apavorava. Podia ser o verso mais delicado do mundo, eu
tinha medo. Podia ser o poeta mais simpático da face da Terra, eu desconfiava. Desconversava,
lia outra coisa. Ou não lia nada. Talvez por não querer entendê-la. Talvez por achar não merecê-la.
E assim ficava à mercê da minha rebeldia. Não queria aprender a contar sílabas, queria ser
verso livre. Tolo! Até a liberdade exige teoria!
Se hoje eu pudesse falar com aquele menino, diria-lhe que a poesia não é nenhum
decassílabo de sete cabeças. Que se ela o assusta é porque ela o deseja. Que se ele sente
CONCURSO DE ADMISSÃO
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medo é porque ele precisa dela. Não há mais monstro debaixo da sua cama. O monstro agora
está em você.
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