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1 de setembro de 2013

TEXTO INTERESSANTE

Um náufrago é resgatado de uma ilha deserta. Não consegue dizer quanto tempo passou na ilha. Perdeu a noção do tempo. Pelo seu aspecto ao ser encontrado - barba quase no umbigo, as roupas reduzidas a fiapos, a pele curtida pelo sol  e pelo sal - foram muitos anos. Mas quantos? Ele não se lembra do naufrágio, não se lembra do nome do navio, do que fazia  a bordo, não se lembra nem de onde é. 
Que língua eu estou falando? Inglês, mas com sotaque. Sotaque de onde? É difícil dizer...Estranho. Não me ocorre nenhuma outra língua além do inglês, embora eu sinta que não é minha língua materna. Talvez seja por causa da Pamela. Pamela? A mulher que eu fiz na areia. Você fez uma mulher na areia? Você não sabe o que é solidão numa ilha deserta.
Ele precisava de companhia humana. No princípio, só precisava de sexo. Fizera um buraco na areia. Mas, com o tempo, sentira que precisa mais do que um buraco. Construiu um corpo de mulher em torno do buraco. Seios, grandes seios. Quadris, uma cintura delgada, coxas longas. Sempre gostava de coxas longas, Mas logo sentira de que faltava algo. E fizera uma cabeça para sua mulher na areia. Um rosto bonito, cuidadosamente esculpido, e que ele retocava constantemente, consertando os estragos feitos pelos caranguejos e o vento. O rosto de uma mulher satisfeita. O rosto de uma mulher que o amava, que mal podia esperar pelas noites de paixão sob as estrelas com ele. Mas...mas o quê?
O corpo desmentia o rosto, O corpo era estático e sem vida, não acompanhava meu ardor, permanecia ausente e frio. O corpo negava o brilho faiscante das conchas azuis que eram os olhos de Pamela.
Por que Pamela? Porque decidi que fria daquele jeito, só podia ser inglesa. Eu tinha feito uma inglesa. Deve ser por isso que conservei meu inglês, Era a língua da qual eu fazia declarações de amor a Pamela e tentava despertar em seu corpo a calidez que o rosto prometia. Ela não reagia. Ela não me respondia. Ficava muda e distante. Também não respondeu quando eu comecei a gritar com ela, e a xingá-la, e a acusá-la. Acusá-la de quê? De me trair. Pamela estava me enganando. A mulher de areia estava enganando você? Estava. Com quem? Não tenho a menos ideia. Eu só não tinha dúvidas de que, com o outro ou com os outros, ela se mexia. Uma loucura eu sei. Mas eu tinha pedido aquilo, tinha criado aquilo, o meu próprio tormento. Não se tem companhia impunemente Onde há um outro há confusão, há conflito, há desgosto. E há traição. 
O que você fez? Um dia a destruí a pontapés, só deixei o buraco no chão. Mas no dia seguinte a reconstruí, os grandes seios, as longas coxas, pedindo perdão, jurando que aquilo nunca mais aconteceria. E no dia seguinte a destruí a pontapés outra vez.
Grego? Meu sotaque pode ser grego. Hum. É possível, sinto-me muito antigo. Qual a última lembrança que você tem do mundo antes de naufragar? Deixa ver...Rita Pavone. Não tinha uma Rita Pavone? Decidiram não contar ao náufrago sobre 11/9 e a Rita Pavone até ele estar completamente curado. E o resgataram, apesar da  insistência  em levar o buraco junto.
Verissimo - Zero Hora - 01/09/13

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