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27 de abril de 2012

Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante de uma geração mais preparada e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com as frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida, E por tudo isso sofre, sofre porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. e não foi criada a partir da dor.
Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos - bastaria que o mundo reconhecesse sua genialidade.
Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuidade de suas casas - onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que querem. E quando isso não acontece - porque obviamente não acontece - sentem-se traídos, revoltam-se com a injustiça" e boa parte se emburra e desiste.
Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter que lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção - e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito..  Com ética e honestidade - e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora; viver é para os insistentes.
Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que esse é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam "felizes". Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos perrengues - sem esperar nenhuma responsabilidade ou reciprocidade.
É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é  sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas de se viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém  que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que fulano é esforçado é quase uma ofensa. Ter que dar duro para conquistar algo parece já vir assimilado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de medicina. Esse atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma  espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do "eu" mereço.
Basta andar por esse mundo e testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida que a vida não é como os pais lhes tinham prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter que aceitar limitações. - e que ninguém por mais brilhante que seja consegue tudo que quer.
A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é estes pais e estes filhos combinaram que a vida seria fácil. É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer - este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
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 Eliane Brum - adaptado.


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