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9 de novembro de 2018

MEUS ALUNOS LEIAM, ENFIM ,,,

No último dia 04 de novembro foram aplicadas as primeiras provas da edição de 2018 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujo tema da redação foi “Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet“.
Este tema era esperado por vários participantes e com razão, pois questões relacionadas à segurança dos dados pessoais de internautas, desde as eleições norte-americanas que elegeram Donald Trump até as nossas eleições deste ano, estão sendo levantadas por todo o mundo e, no Brasil, não foi diferente.
Apesar da sua indiscutível atualidade e pertinência, este tema gerou certa surpresa entre candidatos e professores, pois ele quebrou uma tendência que vinha sendo cumprida desde 2014 até 2017, período em que os temas das propostas de redação do Enem contemplaram minorias brasileiras: mulheres, religiões não-cristãs, negros e surdos.
Essa quebra nos mostra que a banca elaboradora da prova de redação do Enem não se apega tanto a tendências quanto imaginávamos, inclusive porque na frase comando de tema não há, desta vez, a contextualização da problemática no Brasil. Ou seja, foi uma verdadeira caixinha de surpresa nesse sentido.
A respeito do tema em si, gostaríamos de chamar a atenção para a escolha da palavra ‘manipulação‘, fundamental nesta proposta de redação, já que o participante deveria refletir sobre como o comportamento do usuário na internet é manipulado pelo controle de seus dados. Aliás, a escrita da frase comando do tema não ficou tão óbvia, na nossa opinião; apenas após ler todos os textos motivadores podemos concluir que o recorte temático da proposta se deu pela manipulação do comportamento do usuário na internet por meio dos algoritmos dos sites, dos sistemas e das redes sociais.
Num primeiro momento isso pode parecer inocente, mas um candidato estressado, nervoso e ansioso, ao ler o tema e não ler os textos motivadores adequadamente, pode ter o relacionado diretamente com as fake news, o que até poderia ter sido feito, mas por intermédio dos algoritmos.
Para quem não sabe, algoritmo é um conjunto de regras e procedimentos lógicos de um sistema, de um site, de um aplicativo, de uma rede social (entre outros) definido previamente pelo programador de acordo com os objetivos de quem o contratou, basicamente. Ou seja, é um conjunto de passos para que um sistema, por exemplo, possa realizar uma tarefa. O pessoal de Tecnologia da Informação (TI) que me perdoe caso a explicação esteja simplista demais (risos).
Vocês podem estar pensando que os candidatos a cursos relacionados a TI foram favorecidos por essa proposta. Até pode ser, mas verdade seja dita: a proposta trouxe quatro textos motivadores e três deles foram úteis para que um participante que não soubesse o que é um algoritmo se saísse bem na prova. É por isso que sempre batemos na tecla que uma redação é uma avaliação de leitura e escrita, já que a proposta toda deve ser lida e analisada.
primeiro texto motivador inicia fazendo uma referência a serviços de streaming de música, como o Spotify, que criam playlists personalizadas de acordo com o que seus usuários ouvem. O mesmo faz a Netflix quando monta uma lista de filmes, séries e documentários personalizada e recomendada para seus assinantes segundo o que eles assistem e como eles pontuam o que assistem. Estes são exemplos de como os algoritmos dessas plataformas podem influenciar nosso comportamento nelas e de como nós mesmos os alimentamos, ouvindo determinada música ou vendo determinado filme.
Dessa forma, as plataformas não só fornecem músicas e filmes como também rastreiam ou bisbilhotam nosso comportamento, observando o que ouvimos mais, o que gostamos de assistir etc. e, dessa maneira, segundo o autor do texto, filtram informações sobre o nosso modo de pensar. Para Daniel Verdú, o principal problema é a ilusão de liberdade de escolha que os algoritmos criam; nós pensamos que somos livres na internet, mas na realidade não somos. E, nesse ponto, a palavra ‘manipulação’ se encaixa muito bem.
segundo texto motivador segue no mesmo sentido, pois Pepe Escobar afirma que os algoritmos filtram as informações as quais temos acesso na internet; é o algoritmo quem decide que notícia deve ser lida ou não pelo usuário. E isso vale para grandes portais de jornalismo, plataformas de vídeos online, redes sociais etc.
terceiro texto motivador, por sua vez, é um infográfico e, a nosso ver, não acrescentou muito à proposta, já que fornece dados estatísticos acerca da utilização da internet no Brasil em 2016:
  • 64,7% das pessoas de 10 anos ou mais usam a internet;
  • 63,8% são homens e 65,5% são mulheres;
  • 85% dos jovens de 18 a 24 anos e 25% das pessoas de 60 anos utilizam a internet;
  • 94,2% usam para enviar e receber mensagens de texto por e-mail;
  • 76,4% assistem vídeos, séries e filmes;
  • 73,3% conversam por aplicativos de mensagens;
  • 69,3% usam correio eletrônico
Os candidatos poderiam relacionar esses números ao quanto de tempo os usuários navegam na internet e ao que fazem nela, já que, atualmente, muitas pessoas se informam (ou acham que estão se informando) na rede, inclusive nas redes sociais.
Além disso, a troca de mensagens em aplicativos, principalmente de fake news, é um fenômeno que não pode ser ignorado e que poderia ser usado na redação como estratégia argumentativa, não como argumento principal. Por exemplo, um usuário que lê somente sites de notícias falsas ou páginas e perfis de notícias falsas numa rede social pode ter suas leituras filtradas apenas a partir disso.
Outra estratégia argumentativa que poderia ser usada é que além de nos vigiarem, por assim dizer, há ainda a questão do roubo de dados dos usuários por grandes empresas.
quarto texto motivador, por fim, chama a atenção para a seleção feita pelos sistemas por meio dos trending topic, isto é, os conteúdos mais relevantes em determinado momento, porém seu autor, Tom Chatfield, afirma que não sabemos como é feita esta filtragem. Afinal, quem decide o que é relevante para nós? Não deveria ser nós mesmos?
Para finalizar, o que preocupa mais neste tema, a nosso ver, é a elaboração da proposta de intervenção social, pois estamos falando de grandes grupos e empregos transnacionais de tecnologia que lucram milhões por ano e que, inclusive, empregam milhares de pessoas ao redor do mundo.
Como fazer o usuário ter voz neste contexto? Como pressionar que empresas deste porte sejam mais transparentes em relação aos seus algoritmos sendo que os mesmos são segredos empresariais? Como fazer com que o governo pressione por mais transparência e segurança? Eis a parte mais difícil.

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