por Robson Fernando de Souza
para o Acerto de Contas
Imagine alguém dizendo esse discurso:
Estamos numa democracia, temos liberdade de expressão garantida pela Constituição. Por isso sou contra o projeto de lei que estabelece a ditadura pagã. Como cristão que sou, criado desde pequenino com os mais sublimes valores cristãos, tenho direito de criticar os pagãos e o paganismo, e também de ensinar a meu filho pequeno que ser pagão é errado.
O paganismo é uma afronta às leis de Deus, que dizem que só devemos adorar ao Senhor como único ser passível de adoração. Diz Êxodo 20:3 e Deuteronômio 5:7: “Não terás outros deuses diante de mim”. E quem são os pagãos para negar as leis do único e verdadeiro Deus? O paganismo nunca foi natural, visto que o universo e a humanidade foram criadas por Ele, o Senhor, não pelos deuses demoníacos e inócuos do paganismo, e assim o natural e certo é nascer e crescer crente no único e verdadeiro Deus.
O paganismo é uma escolha, e uma escolha que desagrada a Deus deve ser combatida – assim tenho o direito de pensar. Tenho obrigação moral de levar os pagãos ao caminho correto, que é o temor ao Deus da Bíblia. E se me ignorarem, deverão pagar com a ira divina, seja por intermédio dos humanos como eu, seja lá no inferno, onde queimarão por toda a eternidade. Já dizia Jesus, aliás, em Marcos 16:16: “Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado.”
O que é a lei dos humanos para me impedir de julgar e condenar o paganismo, essa afronta aos olhos de Deus, e orientar os pagãos à retidão perante o Senhor – gostem eles ou não? Que poder tem de me obrigar a deixá-los cultuando seus demônios, fazendo sacrifícios humanos, bebendo sangue de crianças em rituais satânicos, blasfemando contra o verdadeiro e único Senhor Deus?
Se essa lei passar, não terei mais o direito de dizer na minha Igreja que os pagãos são pessoas impuras, ímpias, pecadoras, vistas com maus olhos por Deus, condenadas ao inferno por sua iníqua descrença no verdadeiro Senhor e pela sua preferência por demônios. Por isso tenho o dever de lutar contra essa lei.
Se ela for sancionada, veremos os pagãos mandando à prisão qualquer um que não concorde com sua religião demoníaca, que tente convertê-los à palavra do Senhor, que lhes alerte de que irão para o inferno se não aceitarem Jesus como único Senhor e Salvador. Em seguida veremos os pagãos dominando o país, instaurando a ditadura pagã. Todos terão que ser pagãos como eles, adorar o diabo como eles.
Portanto, abaixo a lei da ditadura pagã! Abaixo os paganazistas que querem acabar com a liberdade de expressão e me obrigar a aceitar a existência do seu paganismo sem poder criticá-los!
Assim se comportaria um cristão fundamentalista diante da perspectiva de um país recém-democratizado aprovar uma lei que tornasse crime a intolerância religiosa.
Agora experimente substituir “paganismo” por “homossexualidade” – ou “homossexualismo”, segundo a agressiva linguagem dos homofóbicos. “Pagãos” por “homossexuais”. Os argumentos antipagãos pelos anti-homossexuais. As insinuações difamatórias à adoração de demônios e ao sacrifício humano pelas pejorações desrespeitosas ao sexo anal e acusações difamatórias de pedofilia. As referências bíblicas ao “pecado” do paganismo pelas que condenam a homossexualidade. O caráter de “não verdadeiras” das religiões pagãs pelas alegações de “antinaturalidade” do estilo de vida LGBT.
Fora a visão utilitária, influenciada pela moral cristã, que os anti-LGBT possuem da sexualidade – segundo os quais o sexo teria função estritamente reprodutiva –, a homofobia e o alegado “direito de criticar a homossexualidade” têm tudo em comum com a intolerância religiosa e o suposto “direito” de alguém discordar que as pessoas possam seguir outras crenças.
Ou seja, estando no mesmo barco, na mesma categoria de intolerância, a homofobia e o preconceito religioso não fazem sentido. São igualmente irracionais. Consistem, da mesma forma, na arrogância do indivíduo de tentar controlar a vida alheia por motivos credocêntricos, falaciosos, pseudocientíficos ou meramente subjetivos. São duas formas semelhantes de se impor a outrem uma única visão religiosa e moral, muitas vezes estranha aos pacientes da ação intolerante.
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