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4 de janeiro de 2016

Ah, os estrangeirismos


Luís Fernando Verissimo escreveu um poema, “Capitulação”, em que apresenta uma crítica bem-humorada ao emprego de termos estrangeiros no cotidiano:
Delivery
Até pra telepizza
É um exagero.
Há quem negue?
Um povo com vergonha
Da própria língua
Já está entregue.
Vejamos outra crítica divertida, desta vez do cartunista Caco Galhardo:
tirinha_delivery
Os dois, escritor e cartunista, fazem referência a um fenômeno linguístico denominado estrangeirismo, com um tom condenatório: o primeiro, mencionando a submissão cultural (“Um povo com vergonha/ Da própria língua/ Já está entregue” – ou seja, já capitulou, já se rendeu a outro povo, a outra cultura, daí o título Capitulação). Já o segundo, mostrando que a capitulação é definitiva, apresenta um personagem que sequer conhece a palavra da língua portuguesa, conhece apenas o anglicismo (estrangeirismo de origem inglesa).
Antes de tomar partido, contra ou a favor do emprego de palavras estrangeiras, vamos analisar as diferentes situações de uso e os caminhos tomados pelas palavras. Sabemos que o idioma é um ‘organismo vivo’, que sofre alterações causadas por diferentes fatores, chamadas de variações linguísticas. Por causa dessas variações, ao longo do tempo não raro um idioma acaba tendo uma feição diferente de sua versão ‘arcaica’. É o que podemos verificar quando estudamos, em Literatura, textos do Trovadorismo e os comparamos com textos do Realismo, por exemplo. Chegam a parecer escritos em línguas diferentes, mas é apenas uma versão arcaica da Língua Portuguesa (proto-português ou galego-português) em comparação com a outra mais modernizada. E isso ocorre, como dissemos, porque o idioma é ‘vivo’ e vai sendo modificado pelos seus usuários.
E o que os estrangeirismos têm a ver com isso? Bem, em algumas situações, pode ser que uma língua não contenha a palavra exata para determinado conceito de outra cultura (algo que só existia na outra cultura ou uma inovação ou invenção, cujo nome foi criado na língua do seu criador). Dessa forma, quando importamos o conceito, importamos a palavra junto. Nesse primeiro momento, a palavra é considerada um empréstimo linguístico e pode ser empregada (por falta de uma versão nacional) na língua original e deve ser escrita entre aspas (ou em itálico, se estivermos digitando). Nesse grupo estão, por exemplo, leasing (operação financeira), réveilloncappuccino. Há algumas que continuam sendo empréstimo, mas, de tão usadas, já foram incorporadas ao nosso vocabulário sem aspas mesmo, como jeans,show ou pizza.
O estágio seguinte de ingresso das palavras estrangeiras é o aportuguesamento: já consideramos a palavra essencial para denominar determinado conceito, mas damos a ela uma versão nacional (lembra a antropofagia cultural do Modernismo – pegamos o estrangeiro e digerimos, devolvendo uma versão com a nossa ‘cara’). Fizemos isso com futebol(football), abajur (abat-jour), conhaque (cognac).
O problema neste processo linguístico aparece quando ocorre o que é criticado tanto no poema quanto na tirinha: o uso indiscriminado de termos estrangeiros, quando a língua materna apresenta sua própria versão para aqueles conceitos. Nesse caso, o estrangeirismo passa a ser um vício de linguagem. Eis aqui alguns exemplos de palavras estrangeiras que têm tradução e que, por isso, não devem ser empregadas: performance (desempenho), shampoo (xampu), coffee-break (intervalo do café, ou só intervalo). Ou, pior ainda, quando há uma mescla dos dois idiomas como em startar(to start, começar em inglês + -ar, sufixo formador de verbos em português).
Novamente, correndo o risco de me tornar repetitiva, vou indicar o uso dos dicionários como solução para evitar incorrer no vício de linguagem. Use o dicionário sem moderação, não há contraindicações e o efeito colateral é o aumento de sua bagagem lexical!

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