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1 de agosto de 2010

Uma crônica ...leitura...gurizada

Ranhento é sinônimo de guri em dia frio

Nesta última semana das férias de julho, Zero Hora convidou os integrantes do programa Pretinho Básico, da Rádio Atlântida, a contar suas lembranças de inverno. Para uns, o frio é ótimo, para outros nem deveria existir. Mas recordações do frio, boas ou ruins, todos têm. Até amanhã eles esquentam este espaço com suas impressões. O sétimo da série é Potter:

“Tira o dedo do nariz, guri!” Brado da minha mãe. No Alegrete, atirado na calçada onde ficava cuspindo com os amigos depois de uma pelada, com goleiras feitas de pedra. Na rua, entre os carros, nos paralelepípedos. No corpo, uma calça de abrigo, uma camiseta de campanha de vereador e um moletom encardido.

Jogar bola com o minuano batendo, rengueando cusco, é o inverno da minha lembrança. Bueno, menti. Feio. Mentira das grandes. Inverno pra mim é algo que vai fazer muita gente – fresca! – parar de ler esse texto. Porque sabes tu, menina?! Tem muita gente cheia de frescura folheando essas páginas. Seguinte: inverno me lembra ranho.

Isso mesmo: monco, tatu, muco, catarro. Porque quando se é guri que vive na rua pedalando, jogando taco, mexendo com a gostosa da vizinha que volta da aula de inglês sempre às 18h39min da tarde, o nariz vira uma cachoeira. E claro: não fui criado em apartamento. Boco de bolita é na terra. Águedas só rolavam no chão da rua. No carpete, é coisa de veado (desculpas: homossexuais. O mundo agora é politicamente correto, hunpf).

Pero, volvendo, guri que é guri tem aquele caminho de ranho petrificado no lugar do bigode. A coriza escorre e congela. Dolo do frio. Ele é que petrifica. Certamente porque nessa época, o homem pouco se preocupa com a mulher. Ela é a culpada do nascimento da vaidade masculina. Do primeiro Amor Gaúcho. Da primeira “prestada de atenção” no rótulo do xampu. Do primeiro creme rinse.

Nessa época, a maior preocupação é a bola. “O Luisinho comprou uma bola nova, gurizada!” Beleza! Todo o cuidado com o Luisinho. Agora, ele é o dono da rua. Dono do jogo. E o bom era que o Luisinho deixava a bola quando a mãe o chamava pra fazer “os dever”.

Mas, e o ranho? Ele é o símbolo do frio. É o símbolo da criação interiorana. É o ônus da falta de coberta, do furo na casa pobre. Do vento que uiva nas frestas. Da orelha que não se sente. Se passa frio no sul do Brasil. Mas pra alguns, o inverno é sem ranho. Já viu uma criança ranhenta no Moinhos de Vento?

Eu nasci chorando, não no Moinhos, mas tive sorte. Três cobertores me acalentavam. As paredes de concreto deixavam o minuano lá fora. Mas, de tudo isso, a única coisa que ainda permanece viva depois de três décadas é algo singelo, que especialistas dizem que até saudável é: continuo enfiando o dedo no nariz. Com gosto. Com um estranho prazer.

FONTE ZERO HORA

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