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26 de janeiro de 2014

Uma dolorosa saudade

Prédio da boate Kiss permanece como espécie de memorial

Local recebe flores e orações. Parentes das vítimas do incêndio que matou 242 pessoas exigem providências para que tragédia não se repita.


Uma tragédia que abalou o país completa um ano na próxima segunda-feira (27): o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande Do Sul, que matou 242 pessoas.
Neste sábado (25), parentes e amigos se reuniram em Santa Maria em um congresso internacional para exigir a punição dos responsáveis e cobrar providências para que o desastre não se repita.
A Organização das Nações Unidas (ONU) enviou uma carta pedindo mais prevenção e consciência da sociedade. Das oito pessoas denunciadas pelo Ministério Público, sete respondem pela tragédia.
“Não existe superação, o que existe é a gente aprender a conviver com a falta física dos nossos filhos”, diz o pai de vítima João Cechin.
“A força está nisso, em memória do filho. Em memória das outras 241 vítimas e da possibilidade de que não ocorra com os nossos netos e com os filhos mais moços que nós temos”, acrescenta o pai de uma vítima Walter Cabistani.
Um ano depois da tragédia e Santa Maria ainda parece longe de entender o que aconteceu na pior noite da história da cidade. Na frente da boate, as fotos persistem. Os nomes e os sorrisos também. O local onde tantas vidas se perderam ainda chama a atenção.
“Sem explicação. A gente se arrepia só de passar perto”, diz o metalúrgico Marcelo Guterrez.
Até hoje, o interior do prédio continua em escombros. A Justiça já determinou que os proprietários façam uma limpeza. Mas, por enquanto, o local permanece como uma espécie de memorial, onde muita gente deixa flores e faz orações pela memória das 242 vítimas. Uma forma de lembrar que ainda há um longo caminho a ser percorrido.    
“As vidas não voltam mais. O que deve ser feito é uma mobilização muito grande para que isso não ocorra mais, não só em Santa Maria como em qualquer lugar do mundo”, ressalta a professora Jane Bivotto.
O fogo na boate Kiss começou durante um show da banda Gurizada Fandangueira. As faíscas de um artefato pirotécnico usado pelo vocalista atingiram o teto, como mostra um vídeo gravado no celular de uma das vítimas e divulgado pela polícia.
Mas, para muitos, não houve tempo. Com apenas uma saída, obstruída por barras de ferro, os jovens que superlotavam a Kiss tiveram dificuldades para deixar o local. O veterinário Gustavo Cadore ficou dez dias em coma e teve os braços queimados, mas escapou.
“Eu cheguei em uma porta que estava fechada. Teve uma hora em que a esperança acabou. Mas me veio a imagem dos meus pais e aquilo me deu uma força. Eu consegui sair. Quando me recuperei, estava no estacionamento de um supermercado que tem em frente”, lembra.
Os investigadores descobriram que a espuma usada como revestimento acústico foi responsável pela maioria das mortes. Ao queimar, ela liberou cianeto. A fumaça tóxica asfixiou as vítimas.
A Polícia Civil responsabilizou 28 pessoas – 16 criminalmente –, inclusive bombeiros e funcionários da prefeitura. Mas o Ministério Público ofereceu denúncia apenas contra oito: dois bombeiros por fraude processual; um ex-sócio da boate e um contador por falso testemunho; e quatro por homicídio doloso – os donos da Kiss, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, e os integrantes da banda Marcelo dos Santos e Luciano Leão. Todos respondem em liberdade.
“É difícil compreender e acreditar naquilo que a gente viu, e ver que as responsabilidades foram poucas. Apesar de todo o respeito que eu tenho pelas outras instituições, não posso negar que a frustração foi grande”, diz a delegada Luiza Sousa.
Para os promotores, as irregularidades na concessão dos alvarás da boate Kiss foram consequência da desorganização dos órgãos públicos.
“É frustrante ver que determinados setores de um órgão público estão bastante bagunçados. Mas nós não temos como responsabilizá-los criminalmente ou por improbidade”, diz o promotor de Justiça Joel Oliveira Dutra.
Segundo a polícia, em quatro anos, a boate jamais funcionou com toda a documentação regular. Novas investigações apontam fraude dos antigos proprietários do prédio para a liberação de licenças. Por causa disso, os parentes das vítimas conseguiram que o Ministério Público adiasse o arquivamento da ação contra a prefeitura até o final dos inquéritos.
“Nós queremos saber o que realmente aconteceu, que a verdade real venha para os autos, para que toda a sociedade saiba e que se diga que aqui em Santa Maria aconteceu um problema que não pode mais ocorrer no Brasil inteiro”, diz Luiz Fernando Smaniotto, da Associação de Familiares de Vítimas.
“Deus vai fazer justiça, com certeza absoluta. Mas Deus quer também a justiça do homem, através de nós, seres humanos”, conclui o pai de vítima Adherbal Alves Ferreira.
Os quatro acusados de homicídio foram procurados pelo Jornal Nacional, mas não quiseram se manifestar. O prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, afirmou que desde 2010 todos os documentos da boate Kiss, de responsabilidade da prefeitura, estavam em situação regular. Sobre a desorganização apontada pelo Ministério Público, ele declarou que falhas podem acontecer em qualquer órgão público ou empresa privada.
O bombeiro Renan Severo Berleze, acusado de fraude processual, deixou de ser réu, depois de fazer um acordo com a Justiça. Ele vai pagar dois salários mínimos e terá que comparecer diante do juiz a cada três meses.

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