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16 de fevereiro de 2018

REDAÇÃO NOTA MIL DO ENEM 2017


A prova de redação da edição de 2017 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve como tema “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil” e pouquíssimos textos obtiveram nota máxima (mil pontos), 53 dissertações-argumentativas, para sermos mais exatos. O tema, que pegou de surpresa a grande maioria dos participantes, provavelmente é um dos aspectos responsáveis para este resultado por se tratar de um tema de difícil execução e de uma questão muito específica.
Isso também pode ser verificado pelo número de redações que fugiram do tema e, por isso, receberam nota zero(309.157 textos). Muitos candidatos se confundiram ao escrever a dissertação-argumentativa e abordaram os deficientes visuais e não os auditivos, já que a coletânea de textos motivadores mencionava o Braile, o sistema de escrita utilizado por deficientes visuais e por pessoas com baixa visão.
Alguns fatores podem contribuir para a nota zero e para as notas acimas de média. Não basta conhecer o tema previamente, já ter lido ou o discutido em sala de aula se o participante não tiver em mente a estrutura da dissertação-argumentativa, tempo hábil para cumprir a prova de redação e calma, muita calma. Um participante que reserva pouco tempo para a prova de produção de texto pode se confundir muito mais e, na ansiedade de terminar, meter os pés pelas mãos.
Não foi o que aconteceu com a participante Maria Clara Delmas Campos, 18 anos, estudante do Rio de Janeiro. Sua redação foi uma das 53 que obtiveram a nota máxima no Enem 2017. A seguir, o texto na íntegra:
A formação educacional de surdos representa um desafio para uma sociedade alienada e segregacionista como a brasileira. O desconhecimento da língua brasileira de sinais — LIBRAS — e a visão inferiorizante que se tem dos surdos podem acabar por excluí-los de processos educacionais e culturais e mantê-los marginalizados em relação ao mundo atual. Portanto, esses desafios devem ser superados de imediato para que uma sociedade integrada seja alcançada.
Em primeiro lugar, a pouca abrangência da língua de sinais entre os mais diversos setores da sociedade faz dela um ambiente inóspito para os deficientes auditivos. Pesquisas corroboradas por universidades brasileiras e estrangeiras, como a Unicamp e a Universidade de Harvard, atentam para a importância da linguagem como principal porta para a convivência social, permitindo uma multiplicidade de interações interpessoais, como as de educação, cultura, trabalho e lazer. Assim, quando a sociedade se fecha à comunicação por sinais, justificada pela ignorância, aqueles que dependem dessa linguagem têm dificuldades de obter educação de qualidade e ficam, muitas vezes, à margem das demais interações sociais.
Além disso, a maioria das escolas brasileiras não incluem os surdos, assim como os demais portadores de necessidades especiais, em seus programas, estimulando a diferença e o preconceito. Por mais que a legislação brasileira garanta o ensino inclusivo, a maioria das escolas brasileiras não possuem estrutura para atender aos deficientes auditivos, principalmente por conta da falta de profissionais qualificados. A pouca inclusão dos jovens deficientes e não-deficientes valoriza a diferença entre eles, gerando discriminação e uma sociedade dividida. O renomado geógrafo Milton Santos dizia que uma sociedade alienada é aquela que enxerga o que separa, mas não o que une seus membros, algo que se evidencia na exclusão de surdos em todos os níveis de ensino.
Destarte, visando a uma sociedade mais justa, é mister superar os desafios da educação de deficientes auditivos. Para que o surdo se integre aos diversos meios sociais, como o educacional, o MEC deve fazer uma reforma curricular, que contemple o ensino de LIBRAS como obrigatório em todas as escolas, através de consultas populares na internet para determinação da carga horária. Ademais, com o intuito de tornar as escolas inclusivas, o MEC e o Ministério do Trabalho devem prover as escolas de profissionais capacitados, que possam lidar com alunos surdos através de programas de capacitação profissional oferecidos pelo SESI e SENAC. Dessa forma, o ensino tornará a sociedade brasileira mais unida.

A dissertação-argumentativa de Maria Clara não tem título, algo previsto pelo edital da prova de redação do Enem; para o exame, o título é facultativo e o participante que não intitula seu texto não tem prejuízo em sua nota.
O primeiro parágrafo do texto de Maria Clara é uma introdução que resume toda a sua linha argumentativa e, assim, resume tudo o que está por vir. A participante afirma, logo no início, que a formação educacional dos surdos no Brasil é um desafio (reafirmando o tema da prova, inclusive) para uma sociedade alienada e segregacionista como a brasileira (não só com os surdos, obviamente e infelizmente). A alienação da sociedade inclui, para a estudante, o desconhecimento da língua brasileira de sinais (Libras) e a segregação se dá, entre outros meios, por meio da exclusão das pessoas surdas dos processos educacionais e culturais, deixando-os à margem da sociedade. De maneira incisiva, Maria Clara apresenta o tema e a sua opinião ao leitor, não poupando críticas ao escolher palavras fortes como “alienada” e “segregacionista”.
O segundo parágrafo apresenta o argumento principal do texto: os deficientes aditivos são segregados e marginalizados por, entre outras coisas, a língua brasileira de sinais não ser ofertada, ensinada, aprendida e usada em diversos setores da sociedade, já que a linguagem, de acordo com a participante, é a porta para a convivência social no trabalho, no ensino, no lazer etc. Ao utilizar esta estratégia argumentativa, Maria Clara fundamentou seu argumento, isto é, explicou porque a Libras é fundamental para a inclusão dos surdos na sociedade brasileira.
No terceiro parágrafo, o texto foca na questão do ensino, afirmando que a maioria das escolas do Brasil não incluem, de fato, os deficientes auditivos e os demais portadores de necessidades especiais, uma referência a todas as pessoas deficientes que tentam obter inclusão escolar, mas não conseguem; esta menção, todavia, não tangencia o tema, apenas refere-se aos demais casos, mostrando que a participante é ciente desta situação que não abrange apenas os surdos brasileiros.
A consequência disto, de acordo com o texto, é a diferença e o preconceito, causados pela falta de profissionais qualificados em inclusão nas escolas brasileiras. Neste terceiro parágrafo, a participante encaixa adequadamente uma paráfrase de Milton Santos que afirma que uma sociedade alienada é aquela que enxerga o que separa, não o que une, fenômeno que pode ser atestado nas escolas brasileiras.
O quarto e último parágrafo, ou seja, a conclusão, reafirma que é fundamental superar os desafios apontados ao longo do texto. A proposta de intervenção social sugerida é uma reforma curricular, promovida pelo Ministério da Educação (MEC), que contemple a Libras, tornando-a uma disciplina obrigatória, com a participação de toda a sociedade para decidir sobre a sua carga horária (algo muito detalhado). Além disso, Maria Clara propõe que escolas técnicas formem profissionais qualificados e capacitados para lidar com alunos surdos em todas as escolas, o que tornaria a sociedade mais unida.
Assim, na conclusão, a participante retoma os pontos-chave de sua dissertação-argumentativa (a pouca oferta de Libras e a falta de profissionais especializados) e sugere propostas de intervenção sociais para ambos, fechando seu texto. Além disso, ao longo de todo o texto, a estudante obedeceu a norma culta da Língua Portuguesa e usou um vocabulário diversificado e formal, típico de trabalhos formais e acadêmicos, inclusive. Seria interessante se ela tivesse transcrito as siglas mencionadas, mas isso não fez falta.

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