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21 de maio de 2014

Leitura obrigatória na UFRGS

Machado de Assis

Veja detalhes de Esaú e Jacó, leitura obrigatória da UFRGS

Livro de Machado de Assis retrata a divisão do país à época da Proclamação da República

07/05/2014 | 13h01
Veja detalhes de Esaú e Jacó, leitura obrigatória da UFRGS Eduardo Uchoa/Arte ZH
Os gêmeos Pedro e Paulo representam um país dividido entre dois regimes de governoFoto: Eduardo Uchoa / Arte ZH
Oconflito entre dois irmãos foi a fórmula utilizada por Machado de Assis para transformar em alegoria um importante período histórico brasileiro: a transição entre Império e República. Na obra Esaú e Jacó, os gêmeos Pedro e Paulo são dois opostos que representam um país dividido entre dois regimes de governo.
Fernando Machado Brum, professor de literatura nos colégios Anchieta e Israelita Brasileiro e no Anglo Vestibulares, além de doutorando da obra machadiana na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), dá algumas dicas para os vestibulandos sobre esse livro que figura, pelo terceiro ano consecutivo, na lista de leituras obrigatórias da UFRGS.
Esquema narrativo
A construção narrativa é feita para causar estranhamento. Apesar da aparência de simplicidade, a estrutura não é simples. A apresentação da advertência no início do livro, explicando que o texto foi encontrado no meio de cadernos manuscritos, torna o Conselheiro Aires, que é personagem, num autor suposto. Mas Aires não é o narrador: quem narra é o narrador onisciente. A voz machadiana, que conversa com o leitor, se sobrepõe à do Conselheiro. O esquema narrativo é complexo, pois há um narrador em terceira pessoa que também dialoga em primeira pessoa com o leitor.
Alegoria do Brasil
O livro é uma alegoria daquele momento histórico brasileiro, de transição entre Monarquia e República. Os gêmeos (o monarquista conservador Pedro e o liberal republicano Paulo) são opostos na essência, mas são tão idênticos fisicamente a ponto de Flora não conseguir distingui-los. A crítica de Machado está aí: no Brasil, não se consegue perceber a diferença entre Monarquia e República — diferentes no discurso, mas semelhantes em suas práticas políticas.
O simbolismo dos gêmeos
Pedro vem de São Pedro, que na tradição bíblica se vincula ao conservadorismo: faz Medicina, carreira que figura como conservadora na literatura da época, tem um retrato do imperador francês Luís XVI e defende a monarquia. Paulo remonta a São Paulo, faz Direito, carreira tida como liberal no período, tem uma gravura de Robespierre e defende a república. Mas há uma inversão importante ao final da narrativa. Com a proclamação da República, pressupõe-se que Pedro, sempre a favor da monarquia, se tornaria um crítico do novo regime, e que Paulo continuaria defendendo-o. Mas não é o que ocorre. Por isso, ao invés de caracterizá-los meramente como conservador e liberal, podemos usar as expressões situacionista e oposicionista.
A figura do Conselheiro Aires
O personagem, que aparece mais do que os gêmeos Pedro e Paulo juntos, pode ser interpretado como o retrato da elite brasileira: uma elite inteligente, calculista e, acima de tudo, em cima do muro. Aires adota uma postura de não confrontar em momento algum, como pode ser observado em duas situações descritas no livro. Numa delas, entre os capítulos 52 e 54, Flora pede ajuda dele porque seu pai é chamado para assumir uma província do Interior, mas ela não quer sair do Rio. Ele diz uma coisa e faz outra, só para evitar o confronto. Em outro momento, no último capítulo do livro, quando um deputado acusa os dois irmãos de brigarem por herança, Aires sabe que as desavenças vinham desde a época uterina, mas não intervém, justamente para evitar o debate. O Conselheiro representa um tipo de elite que não se indispõe com ninguém, em momento algum. Machado critica essa figura da elite volúvel e que não adota posições fortes para não entrar em conflito.
Tabuleta do Custódio
Nos capítulos 62 e 63, a República foi recém promulgada e Custódio está em um dilema sobre o que escrever na tabuleta nova de sua confeitaria, que durante 40 anos se chamou Confeitaria do Império. Com argumentos hilariantes, o confeiteiro demonstra estar mais preocupado com interesses pessoais do que com convicções políticas.

Veja questões comentadas pelo professor Brum
UFRGS (2014) - questão 32
Considere as seguintes afirmações sobre Esaú e Jacó, de Machado de Assis.
I - Pedro e Paulo, os filhos gêmeos do casal Santos, odeiam-se desde o ventre materno, fato insinuado pela cabocla do morro do Castelo e percebido por sua mãe, Natividade, o que caracteriza uma disposição hereditária que alinha o romance com a tendência naturalista e determinista da época.
II - Os longos trechos digressivos da narrativa estão em sintonia com as intervenções do Conselheiro Aires e marcados por comentários repletos de ironia, erudição e humor; comentários que podem incidir inclusive sobre as expectativas do público leitor, como fica claro no capítulo XXVII, de uma reflexão intempestiva.
III - O Conselheiro Aires mantém uma relação polida com o banqueiro Santos, a quem considera intelectualmente limitado e moralmente condenável, embora Aires reconheça sua dedicação à família, que o leva a tentar amenizar a hostilidade entre os filhos e a auxiliar com estímulos financeiros os parentes pobres.
Quais estão corretas?
(A) Apenas I.
(B) Apenas II.
(C) Apenas I e II.
(D) Apenas II e III.
(E) I, II e III.
Comentário do professor Brum: Apesar de existir, sim, um comentário da Cabocla do castelo para Natividade sobre a rivalidade dos gêmeos, isso não é suficiente para enquadrar a obra dentro da estética naturalista, pois a construção psicológica presente nos personagens não está de acordo com aquela corrente literária. Uma das mais importantes figuras do romance é a do Conselheiro Aires, que efetivamente faz comentários digressivos e irônicos inclusive no capítulo citado, não demonstrando nenhuma admiração pelo banqueiro Santos. Este, por sua vez, não concede estímulos financeiros para parentes pobres, salvo uma pequena ajuda dada para a obteção de um emprego. Resposta B.

UFRGS (2014) - Questão 33
Considere o seguinte trecho de Esaú e Jacó.
........ não tinha as mesmas expansões. Era alto, e o ar sossegado dava um bom aspecto de governo. Só lhe faltava ação, mas a mulher podia inspirar-lhe; nunca deixou de consultá-la nas crises da presidência. Agora mesmo, se lhe desse ouvidos já teria ido pedir alguma coisa ao governo, mas neste ponto era firme, de uma firmeza que nascia da fraqueza: "Hão de chamar-me, deixa estar", dizia ele a ........, quando aparecia alguma vaga de governo provincial. Certo é que ele sentia a necessidade de tornar à vida ativa. Nele a Política era menos uma opinião que uma sarna; precisava coçar-se a miúdo e com força.
Assinale a alternativa que preenche correta e respectivamente as lacunas do texto acima.
(A) Gouveia — D. Rita
(B) Nóbrega — D. Rita
(C) Batista — D. Rita
(D) Nóbrega — D. Cláudia
(E) Batista — D. Cláudia
Comentário do professor Brum: Na questão era necessário lembrar da relação entre Batista - político volúvel - e D. Cláudia, sua esposa, que constantemente motivava o marido em busca do poder, muitas vezes, inclusive, realizando ela mesma as negociatas para que ele conseguisse algum cargo público. Resposta E.

UFRGS (2013) - Questão 30
Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas do enunciado abaixo, na ordem em que aparecem.
........ teria escrito ........ , romance no qual aparece como personagem relevante; depois de ........ e na condição de ........ , ele percorre o Rio de Janeiro e presencia a transição do Império à República.
(A) O Conselheiro Aires — Esaú e Jacó — uma longa carreira no exterior — diplomata aposentado
(B) Bentinho — Dom Casmurro — se formar em São Paulo — promotor público
(C) O Conselheiro Aires — Dom Casmurro — se formar em São Paulo — diplomata aposentado
(D) Bentinho — Dom Casmurro — uma longa carreira no exterior — promotor público
(E) O Conselheiro Aires — Esaú e Jacó — se formar em São Paulo — promotor público
Comentário do professor Brum: A questão sintetiza a figura de Aires, suposto autor do romance, que efetivamente fora diplomata brasileiro no exterior e quando volta ao Rio de Janeiro, aposentado, passa a ser um observador dos conflitos da família Santos e da própria condição política da passagem do Império à República. Resposta A.

UFRGS (2013) - Questão 31
Considere as seguintes afirmações sobre Esaú e Jacó, de Machado de Assis.
I - Os comentários e as digressões do narrador são marcados pela ironia e pelo humor, típicos da obra machadiana madura, o que faz contraste e oposição ao tratamento sério dispensado às ambições políticas do casal Batista.
II - Os gêmeos, Pedro e Paulo, estabelecem os polos do romance, entre os quais oscilará a jovem Flora, que é cortejada pelos dois irmãos: o primeiro, a favor do Império e conservador; o segundo, republicano e inovador.
III - Pedro e Paulo tornam-se deputados e atuam em partidos opostos. Antes da morte de Flora, a filha do casal Batista, eles trocam promessas de conciliação e acordo, as quais, para desespero do Conselheiro Aires, são logo rompidas.
Quais estão corretas?
(A) Apenas I.
(B) Apenas II.
(C) Apenas I e III.
(D) Apenas II e III.
(E) I, II e III.
Comentário do professor Brum: Um dos grandes traços da obra machadiana madura é a construção de personagens marcada pelo tom irônico. Nestas situação estão o casal Batista, que é criticado na obra justamente pelas suas ambições que suplantam as convicções ideológicas, os gêmeos Pedro (monarquista) e Paulo (republicano), e a própria Flora, indefinida entre os dois. Já a conciliação dos irmãos na obra se dá por um determinado tempo, mas após a morte da mãe, Natividade. Resposta B.

UNESP (2011) - Questão 36
"'Confeitaria do Custódio'. Muita gente certamente lhe não conhecia a casa por outra designação. Um nome, o próprio nome do dono, não tinha significação política ou figuração histórica, ódio nem amor, nada que chamasse a atenção dos dois regimes, e conseguintemente que pusesse em perigo os seus pastéis de Santa Clara, menos ainda a vida do proprietário e dos empregados. Por que é que não adotava esse alvitre? Gastava alguma coisa com a troca de uma palavra por outra, Custódio em vez de Império, mas as revoluções trazem sempre despesas."
O fragmento, extraído de Esaú e Jacó, narra a desventura de Custódio, dono de uma confeitaria no Rio de Janeiro, que, às vésperas da proclamação da República, mandou fazer uma placa com o nome "Confeitaria do Império" e agora temia desagradar ao novo regime. A ironia com que as dúvidas de Custódio são narradas representa o:
a) desconsolo popular com o fim da monarquia e a queda do imperador, uma personagem política idolatrada.
b) respaldo da sociedade com que a proclamação da República contou e que a transformou numa revolução social.
c) alheamento de parte da sociedade brasileira diante do conteúdo ideológico da mudança política.
d) reconhecimento, pelos cidadãos brasileiros, da ampliação dos direitos de cidadania trazidos pela República.
e) impacto profundo da transformação política no cotidiano da população, que imediatamente apoiou o novo regime.
Comentário do professor Brum: Na verdade, o nome da confeitaria era já tradicional há quarenta anos, o que leva a uma discussão simbólica de que a placa representava o regime desgastado que não podia mais ser apenas superficialmente modificado — a tabuleta não aguentava mais tinta. Machado utiliza a cena para representar a passagem da esfera pública (Império) para a privada (Custódio), mostrando assim o quão alheia aos problemas e modificações sociais a média do povo brasileiro estava naquele momento.Resposta C.


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