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30 de maio de 2014

Uma leitura obrigatória da UFRGS

Conheça obra de Sergio Faraco que é nova leitura obrigatória da UFRGS

Antologia 'Dançar Tango em Porto Alegre' conduz o leitor do Rio Grande do Sul rural e fronteiriço para o urbano; saiba mais sobre o livro e o autor

30/05/2014 | 10h01
Premiado pela Academia Brasileira de Letras em 1999, Dançar Tango em Porto Alegre é o livro mais conhecido de Sergio Faraco e uma das recentes adições àlista de leituras obrigatórias para o próximo vestibular da UFRGS.
Dá para dizer que a obra de Faraco substitui Contos Gauchescos, de Simões Lopes Neto. Na primeira parte, os contos narram o Rio Grande do Sul rural, fronteiriço, de gaúchos que se apaixonam e eventualmente cruzam com o homem urbano, que passa a predominar à medida que a obra avança.
– O livro parece fazer um progressivo movimento do campo (fronteira) em direção à cidade – explica o professor de literatura do Grupo Unificado Pedro Gonzaga.
Essa organização não foi uma intenção original do autor ao escrever os contos:Dançar Tango em Porto Alegre é uma antologia. Segundo Faraco, o livro foi estruturado sobre três vertentes de contos: fronteiriços, juvenis e urbanos.
Para o professor de literatura e ex-secretário da Cultura Sergius Gonzaga, os contos têm um viés realista moderno, “próximo da linhagem do americano Ernest Hemingway e, anteriormente, do russo Anton Tchekhov”. Leia abaixo os comentários do professor Pedro Gonzaga sobre aspectos relevantes do livro, analisando alguns contos separadamente, e como eles podem parar em uma questão no vestibular da UFRGS.
Parte I - Contos fronteiriços
Noite de Matar um Homem Um dos mais famosos contos da obra de Sergio Faraco. Uma região da fronteira se vê assolada por um tipo perigoso e que vem prejudicando a atividade do contrabando: Dom Nassico Feijó, também conhecido como o Mouro.
Perseguido pela polícia e também procurado por Tio Joca, chegam notícias, pela boca de um menino esmoleiro, de que Nassico está ferido e sozinho. É quando se arma uma missão com dois homens, Chaco e o narrador, que terão de enfrentar uma espécie de batismo de fogo: abater o Mouro.
Avançando até o local indicado, tentando passar despercebidos, os dois conseguem finalmente chegar. Alçando mira por sobre o ombro de Chaco, o narrador vê brilhar na boca de Nassico uma gaitinha. A música do outro faz com que não consiga atirar. É o poder comovedor da música.
Frustrados por não terem conseguido, já retornando, acabam topando com Nassico, que traz ferimentos profundos. Disparam no susto, matando-o. Neste momento percebem que ele puxara a mesma gaitinha. Os dois passam mal e o narrador vomita e se suja.
No retorno, Tio Joca vem falar com o narrador, um diálogo seco, em que o rapaz informa ao tio que o contrabando já está liberado das ações do antigo inimigo. É um conto de amadurecimento em um mundo bárbaro, sobre um inusitado instante lírico, perdido como se perde a inocência da primeira juventude.
Parte II - Contos juvenis
Majestic HotelNarrado em terceira pessoa, mas com efeitos de primeira, como se o mundo viesse ao leitor através dos olhos do menino-protagonista, o conto é talvez o mais brutal do livro no sentido da ruptura com a figura materna e o processo de amadurecimento daí decorrente.
O enredo, recuperado na memória através de um soldadinho de chumbo dado pela mãe, reconstrói a experiência de um menino que vem à Capital para se hospedar no Hotel Majestic com a matriarca, que vai deixá-lo trancado no quarto enquanto encontra um amante.
Ao final, após se sentir abandonado pela mãe que não volta (o desamparo da ruptura do laço filial), ela retorna com o dito soldadinho de chumbo, perfumado por seu corpo, que se tornará o elemento evocador das lembranças da infância.
Não Chore, PapaiNarrado em primeira pessoa, o conto traz um protagonista orgulhoso e feliz de poder vencer a vida no interior com uma bicicleta e os sonhos de ir a lugares distantes estimulados pelas estampas do sabonete Eucalol com que os amigos o regalam por lhes permitir pedalar com ela.
O drama se inicia quando o narrador pega o irmão mais novo, o Mariozinho, e vai com ele até o rio, desobedecendo às ordens do pai de que repousassem na sesta. Quando este descobre o paradeiro do filho, toma-se de raiva e a desconta na Birmingham do menino.
Ao final da história, a mãe diz ao filho que ele vá pedir perdão ao pai, o que ele faz mesmo tendo a impressão de não ter feito nada demais. É quando pensa que jamais o perdoaria. No entanto, não é o que acontece, pois já homem feito percebe que aquele mesmo menino capaz de conhecer o mundo por estampas, também possuía um coração incapaz de guardar rancor.
Parte III - Contos urbanos
Dançar Tango em Porto AlegreNarrado em primeira pessoa, o conto se passa em um trem que vai de Uruguaiana a Porto Alegre. O narrador logo se envolve com uma passageira, no começo com dificuldade, mas depois de desembarcarem para esticar as pernas em Santa Maria, retornam ao trem e ela pede para que ele consiga uma cabine. A mulher se chama Jane e confessa que não aguenta mais o sofrimento do marido terminal na Capital. Os dois se envolvem sexualmente.
No final do conto, o narrador confessa a Jane que algo aconteceu dentro dele, que já não se sentia o cara amargo de antes e que quer voltar a vê-la. Ela está distante, diz que tudo parece um tango.
De súbito, um acidente faz parar o trem: um animal tinha sido atropelado. Ao se reencontrarem, os dois pensaram que poderia ter sido o outro a saltar nos trilhos. Novamente juntos, Jane pergunta o nome do narrador. Agora, ele tem certeza de que pode ser uma história de amor, que mesmo aquele dançar tango pode se tornar possível.
Sobre o autor Sergio Faraco (1940) é alegretense, formado em Direito. Marca sua juventude a experiência de dois anos de estudos na extinta União Soviética (1963-1965),que reuniria em seu soberbo livro Lágrimas na Chuva (2002). Contista de talento reconhecido nacionalmente, Dançar Tango em Porto Alegre talvez seja o livro mais famoso entre os mais de 20 que compõem sua obra. Vencedor de inúmeros prêmios, vive hoje na Capital.
Características da obra Tomados em seu conjunto, os contos apresentam algumas tendências unificadoras, que poderiam ser lembradas pela UFRGS. De imediato, pode-se notar o predomínio de personagens masculinos, marcados por fortes rupturas existenciais, em geral dos mais baixos segmentos sociais, do campo ou da cidade. Nota-se também, com alguma frequência, uma violência que nem sempre vem à tona, contida pela própria condição psicológica e social em que os personagens estão imersos. Muitas vezes, o tema do conto é a perda da inocência por parte dos protagonistas

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