Trataremos de um tema que, infelizmente, tem ocupado as páginas policiais de jornais e portais de notícias na internet: os trotes universitários violentos. Com as matrículas nas universidades federais, estaduais e particulares no início do ano, este tema volta à tona e torna-se, anualmente,relevante, mas neste ano esta relevância aumentou, já que está sendo realizada a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Trote Universitário instalada na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo.
A CPI do Trote Universitário foi instaurada no dia 17 de dezembro de 2014 pelos deputados estaduais de São Paulo com o intuito de apurar violações aos direitos humanos em trotes promovidos por alunos veteranos de universidades do estado. Desde então, autoridades universitárias, como os reitores das universidades estaduais paulistas (USP, UNICAMP e UNESP) e diretores das faculdades e institutos destas respectivas instituições, assim como alunos estão sendo ouvidos em depoimentos. Dados do serviço do disk trote da USP foram requeridos pelos deputados a fim de serem investigadas denúncias.
Os trotes realizados pelos alunos veteranos que recepcionam os alunos calouros, aqueles que acabaram de entrar na universidade, deveria ser uma brincadeira saudável na qual todos se divertem e se conhecem, mas há muito tempo temos visto casos de violência, abuso e desrespeito.
A história dos trotes começa na Idade Média, quando os calouros eram colocados nos vestíbulos (daí a origem da palavra “vestibular”) que antecediam a sala de aula. Neste cômodo, eles tinham os cabelos raspados por medida profilática 1, pois havia a possibilidade de propagação de doenças, sobretudo da peste. Pintar os calouros, fazer pedágios nos cruzamentos das cidades para angariar dinheiro para festas e cortar os cabelos eram etapas conhecidas pelos alunos, mas recentemente denúncias de trotes violentos, humilhantes e vexatórios têm sido cada vez mais comuns. É comum, neste época do ano, lermos notícias de casos de queimaduras com ácidos, agressões físicas que acabam em lesões e humilhações com cunho racista e sexual.
No caso da CPI instalada no fim de 2014, o foco está nas faculdades de medicina das universidades públicas e privadas de São Paulo, pois são delas o maior volume de denúncias e as mulheres são as depoentes em maior quantidade, relatando casos de assédio sexual e de estupro. Calouras relatam que em festas promovidas por veteranos foram forçadas a consumir, em grandes quantidades, bebidas alcoólicas e foram assediadas e estupradas; outras narram tentativas frustradas de violência sexual e afirmam terem sido caladas por coordenadores de curso e professores.
Estes fatos deixam de ser um ritual tradicional e passam a configurar crime. Segundo Antônio Ribeiro de Almeida Júnior, professor do departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura (Esalq/USP), “não tem nada a ver com tradição; a questão do trote é relação de poder. Um grupo político disputa o controle da situação. O menino que vai para a rua pedir dinheiro [nas brincadeiras de pedágio] é o soldado raso em uma hierarquia que tem general”. O especialista é autor de vários livros e estuda o tema desde 2001. “Ao longo do ano vejo o aumento da violência, e não da consciência.2”
O professor esteve presente na CPI no último dia 21 de janeiro e afirmou que “há um tipo de personalidade masculina, que bebe, que arruma briga, que maltrata mulheres”. Antonio ainda defendeu o afastamento da cultura universitária deste tipo de problema.
A UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), por exemplo, já pune em seu regimento interno qualquer tipo de trote, inclusive a pintura corporal e o corte de cabelo, pois as considera práticas constrangedoras; o pedágio também é proibido, já que é uma atividade que coloca em risco os estudantes. De acordo com a instituição, o trote é proibido dentro e fora dos campus e os alunos envolvidos estão sujeitos a sanções acadêmicas3.
Além do trote, outro problema descrito pelas vítimas é a atitude das autoridades acadêmicas que, segundo elas, não as apoia em nenhum momento. Apesar de existirem queixas formais, muitas mulheres relatam que não receberam nenhum tipo de ajuda ou respaldo dos coordenadores de curso e dos reitores. O caso do calouro de medicina da USP morto em um trote em 1999, Edsion Hsueh, afogado em uma piscina, confirma a impunidade, já que seus algozes ficaram presos por um tempo, mas já sairiam, se formaram e exercem a medicina normalmente.
Conclui-se que o que vemos hoje é uma cultura do trote machista, violento e humilhante nas mais renomadas universidades paulistas para as quais é preciso estudar muito arduamente para ser aprovado em seus vestibulares, principalmente em se tratando do curso de medicina. Assim, temos a confirmação de que, no Brasil, existe a cultura do estupro em todos os segmentos da sociedade.
Tendo a prova de redação do Enem em mente, podemos relacionar o tema dos trotes ao tema da violência contra a mulher, ao machismo, às relações de poder, a questão da relevância de fazer parte de um grupo etc. Além disso, pensando na proposta de intervenção social, o candidato deve elaborar soluções viáveis para esta problemática tão grave, como punições acadêmicas (expulsão, por exemplo, dos autores dos trotes) e criminais (detenção, por exemplo), campanhas de conscientização, fiscalização por parte das universidades, incentivo às denúncias e amplo apoio às vítimas em termos de segurança e bem-estar.
- Profilática: 1 – relativo a profilaxia; 2 – que serve para previnir doenças, preventiva. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
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