Pai dos burros, desmancha-dúvidas, tira-teimas, tesouro do idioma… São muitas as denominações que são dadas a essa obra, mas para que exatamente ele serve?
De modo geral, as pessoas (as inteligentes, não gosto da denominação ‘pai dos burros’, pois só os inteligentes reconhecem as próprias limitações e recorrem ao dicionário ) consultam o dicionário para descobrir o significado de termos desconhecidos, mas essa não é a única utilidade dessa obra e o dicionário de língua é o único tipo que existe.
Nos dicionários de língua, entre os quais se destacam o Aurélio, o Houaiss, o Caldas Aulete, o Michaellis (que, por metonímia, acabaram se tornando sinônimos de dicionário), podemos encontrar, além da definição do termo, uma série de outras informações úteis, como a origem da palavra, a grafia correta, a pronúncia (muito importante, agora que o trema se foi…), a forma plural (imprescindível, principalmente no caso de final em -ão), a classe de palavras a que pertence o termo, enfim, a utilidade do dicionário vai muito além de trazer sinônimos ou as definições.
Isso só para mencionar o dicionário de língua. Mas esse não é o único tipo de dicionário existente. Segundo o Houaiss, podemos encontrar:
- d. analógico: o que reúne as palavras, em grupos analógicos segundo a sua afinidade de ideias, partindo de conceitos para indicar os seus significantes linguísticos; dicionário de ideias afins, dicionário ideológico
- d. bilíngue: a forma mais simples de dicionário plurilíngue, que permite a tradução de vocábulos e expressões de duas línguas e estabelece o confronto entre ambas
- d. de antônimos: obra de referência que reúne palavras em grupos relacionados com base em uma oposição entre seus significados
- d. de língua: obra de referência atemática que procura retratar a língua do ponto de vista do conjunto de suas palavras (incluindo nisto unidades elementares mínimas do tipo dos afixos, radicais etc., as chamadas palavras gramaticais e vocábulos metalinguísticos) e descreve, por meio de abonações e/ou exemplos, suas estruturas sintáticas através do funcionamento das unidades no uso, acrescentando-lhe informações periféricas do tipo classe gramatical, ortoépia, nível de uso, propriedades sintáticas etc., para seu mais perfeito domínio; dicionário geral
- d. de sinônimos: obra de referência que reúne palavras em grupos relacionados com base em uma semelhança ou equivalência entre seus significados
- d. enciclopédico: obra de referência de natureza híbrida, que mescla a técnica dos dicionários de língua com informações de ordem enciclopédica, incluindo também. verbetes biográficos, toponímicos, históricos etc.
- d. etimológico: o que registra a origem, derivação e formação das palavras a partir de suas formas mais remotas atestadas, levantando dados relativos à evolução do seu significado e por vezes identificando a família de seus cognatos
- d. geral: m.q. dicionário de língua
- d. inverso: dicionário que traz alfabetadas as palavras por grupos segundo as suas terminações [Freq. us. como dicionários de rimas, embora estes sejam um caso especial daquele.]
- d. onomasiológico: aquele que parte dos significados para apontar os seus significantes (p.ex., os dicionários analógicos) p.opos. a dicionário semasiológico
- d. plurilíngue: dicionário que traduz ou verte termos de uma língua para duas ou mais outras línguas
- d. semasiológico: aquele que parte do signo linguístico para determinar o seu significado (p.ex., este dicionário) p.opos. a dicionário onomasiológico
Além desses, encontramos ainda o dicionário de regência verbal, que apresenta a transitividade dos verbos e o tipo de complemento que cada sentido dos verbos necessita, o de regência nominal, que indica como deve ser preposicionado o complemento nominal dos substantivos, adjetivos e advérbios, e o dicionário de rimas, muito útil ao poetas.
E por falar em poetas, seguem alguns poemas que, metalinguisticamente, colocam o dicionário como assunto, rendendo-lhe a devida homenagem:

Marco Cremasco é prof.na Faculdade de Engenharia Química da Unicamp
E, para finalizar, uma Ode, a “Ode ao Dicionário”, de Neruda:
ODE AO DICIONÁRIO
Lombo de boi, pesado carregador, sistemático livro espesso: quando jovem te ignorei, me vestiu a suficiência e me acreditei completo, e estufado tal um melancólico sapo recitei: “Recebo as palavras diretamente do Sinai bramante. Reduzirei as formas à alquimia. Sou um mago.”
O grande mago se calava.
O Dicionário, velho e pesado, com seu jaquetão de couro desgastado, se aquietou silencioso sem mostrar suas provetas.
Porém um dia, depois de havê-lo usado e desusado, depois de declará-lo inútil e anacrônico camelo, quando em longos meses, sem protesto, serviu-me de poltrona e de almofada, rebelou-se e se plantando em minha porta cresceu, moveu suas folhas e seus ninhos,(…)
Dicionário, não és tumba, sepulcro, caixão, túmulo, mausoléu, és senão preservação, fogo escondido, plantação de rubis, perpetuação viva da essência, celeiro do idioma. E é belo recolher em tuas filas a palavra de estirpe, a severa e esquecida sentença, filha da Espanha, endurecida como grade de arado, fixa no seu limite de antiquada ferramenta, preservada com sua beleza exata e sua dureza de medalha. Ou a outra palavra que ali vimos perdida entre linhas e que de pronto se fez saborosa e lisa na nossa boca como uma amêndoa ou terna como um figo.
Dicionário, uma mão de tuas mil mãos, uma de tuas mil esmeraldas, uma só gota de tuas vertentes virginais, um grão de teus magnânimos celeiros no momento justo aos meus lábios conduz, ao fio da minha pena, ao meu tinteiro. De tua espessa e sonora profundidade de selva, dá-me, quando o necessite, um só trinado, o luxo de uma abelha, um fragmento caído de tua antiga madeira perfumada por uma eternidade de jasmineiros, uma sílaba, um tremor, um som, uma semente: de terra sou e com palavras canto.
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