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31 de março de 2016

Análise de Redação Nota 1.000 do Enem 2015


No último dia 20 de março, o site do jornal Folha de São Paulo publicou uma reportagem intitulada “Nota 1.000” na qual aborda o diferencial dos candidatos ao Enem 2015 que obtiveram pontuação máxima na proposta de redação cujo tema foi “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Para as repórteres, criatividade, engajamento, informação e repertório cultural foram os principais aspectos das dissertações-argumentativas que alcançaram 1.000 pontos.
A reportagem citada, além de gráficos sobre o Enem 2015, traz aos leitores alguns exemplos de redações que obtiveram notas máximas, além de um pequeno resumo acerca de seus autores, estudantes brasileiros que, com essa pontuação, conquistaram vagas em universidades públicas brasileiras.
Neste contexto, na publicação de hoje, analisaremos uma dessas redações exemplares; por meio de comentários, almejamos verificar como e porque tais textos foram dignos de 1.000 pontos no Enem 2015.
Primeiramente, a fim de nos lembrarmos da proposta de redação, segue a coletânea de textos motivadores do Enem 2015:
A redação que iremos analisar é de autoria da estudante paulista Amanda Della Togna Torres, de 17 anos.
Reprodução coletânea de Textos Enem 2015. Fonte: Inep.
Reprodução da coletânea de Textos Enem 2015. Fonte: Inep.
Desconstruindo ideologias: sob a égide da democracia
O preconceito contra o sexo feminino é um problema que assola o cotidiano pós-moderno, sendo inúmeras as formas por meio das quais tal discriminação se apresenta. Seja por meio da violência física, psicológica, sexual ou patrimonial, as mulheres têm sofrido nas mãos de agressores que veem no sexo feminino um elemento “frágil”, ideologia que é a completa antítese das democracias contemporâneas, supostamente liberais e igualitárias. Nesse contexto, deve-se discutir a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira.
Desde os primórdios da civilização, foi criado um estereótipo que reservava às mulheres apenas as funções domésticas e de procriação, excluindo a possibilidade de seu ingresso nas esferas da política ou mesmo do trabalho. Todavia, tal estereótipo vem sendo desconstruído, ao passo que as mulheres conquistam mais espaço nas relações sociais, políticas e econômicas ao redor do mundo. Toma-se como exemplo as lideranças políticas alemã, argentina e, principalmente, brasileira: hoje, tais cargos são exercidos por mulheres, realidade improvável há algumas décadas.
Todavia, ideologias preconceituosas e agressivas ainda são inerentes à sociedade brasileira, constituindo um entrave ao progresso da nação como um todo. Esse quadro se torna evidente ao serem apresentados dados disponibilizados no site da revista “Istoé”: no período de setembro de 2006 a março de 2011, mais de 330 mil processos com base na Lei Maria da Penha foram instaurados nos juizados e varas especializados. É no mínimo incoerente que, em pleno século XXI, junto a um cenário pautado pelas ideias de igualdade e liberdade como base fundamental de toda e qualquer democracia, ainda existam milhares de mulheres sofrendo por agressões de natureza absolutamente injustificável.
É imprescindível que medidas sejam tomadas para a compleição de uma democracia justa e igualitária em sua plenitude. Desse modo, cabe ao Governo tornar mais rígida a legislação concernente ao bem-estar do sexo feminino, tomando as devidas providências quando algo estiver em desacordo com o que prega a Lei; às escolas, cabe o dever de instruir as gerações futuras quanto à igualdade entre os cidadãos de uma democracia, conscientizando-os do caráter absurdo presente em atos discriminatórios e agressivos. Por fim, lança-se um apelo às vítimas, ressaltando-se que a denúncia é a forma mais eficiente de se combater o problema. Afinal, à guisa de Simone de Beauvoir, o opressor não seria tão forte se não encontrasse cúmplices entre os próprios oprimidos.
título é uma marca opcional nas dissertações-argumentativas das provas de redação do Enem, mas o título da redação da Amanda Della Togna Torre chama muito a atenção do leitor, pois afirma, diretamente, que é preciso desconstruir ideologias no contexto da proteção da democracia, já que a palavra ‘égide’, de origem grega, significa “proteção, amparo”.
introdução, por sua vez, cumpre adequadamente seu papel: apresentar o tema ao leitor e já mostrar a ele a tese principal que, neste caso, afirma que o preconceito contra o sexo feminino, na pós-modernidade, é contraditório, já que vivemos em uma democracia que é, supostamente, igualitária e libertária e, por isso, a persistência da violência contra a mulher deve ser discutida na sociedade brasileira.
A candidata utiliza a palavra ‘sexo’ para referir-se às mulheres e, deste modo, refere-se, somente, ao sexo biológico e não à identidade de gênero, isto é, como nos vemos e como nos mostramos ao mundo. Assim, Amanda faz referência apenas às mulheres em termos biológicos e deixa de lado, propositalmente ou não, às mulheres transgêneros, por exemplo.
Aliás, a questão de múltipla escolha do primeiro dia do Enem 2015 que trazia uma citação de Simone de Beauvoir referia-se mais à identidade de gênero do que ao sexo biológico, isto é, o sexo com o qual nascemo: masculino ou feminino.
Além disso, a candidata, já na introdução, lista os tipos de agressão sofridas pelas mulheres: física, psicológica, sexual, patrimonial e podemos incluir, aqui, mais uma: a financeira, quando o parceiro controla, de maneira obsessiva, as finanças da companheira.
Já no segundo parágrafo, o primeiro do desenvolvimento, Amanda retoma o esteriótipo da mulher que servia apenas para fazer os afazeres domésticos e para procriar, estando embutida aí a questão de que as relações sexuais, para as mulheres, não poderiam ser prazerosas como são para os homens. Ou seja, sempre tivemos o papel da dona de casa e da reprodutora, mas isso mudou, como bem lembra a candidata, já que as mulheres, a cada dia que passa, assumem mais cargos políticos e profissionais e ela cita como exemplos mulheres que ocupam altos cargos na política do Brasil, da Alemanha e da Argentina (hoje já não mais, mas naquela época, sim), podendo ser substituída pelo Chile.
No terceiro parágrafo, o segundo do desenvolvimento, a candidata tem como intenção combater o que chama de preconceito incoerente com o progresso do país e parafraseia, ou seja, escreve com as suas palavras, um dado retirado da coletânea de textos motivadores. Assim, ela recorre à coletânea de modo adequado, útil ao seu texto, e correto, já que a cópia integral é proibida pelo Enem. Outra coisa que ela evitou escrevendo desta maneira foi pressupor que o leitor conhecesse o dado informado, já que ela citou a fonte (revista Istoé) e o período ao qual a estatística diz respeito.
De acordo com Amanda, é incoerente que violências injustificáveis contra a mulher ainda existam em um país que se diz democrático e que tem como ideais a igualdade e a liberdade, bandeiras também do movimento feminista. Observem que, usando adjetivos como ‘incoerente’ e ‘injustificável’, a candidata já assinala a sua opinião acerca da persistência da violência contra a mulher no Brasil.
Por fim, na conclusão, a autora estabelece que governo, escolas e mulheres têm tarefas a cumprir a fim de vivermos, realmente, numa democracia igualitária e libertária. Ao governo, cabe tornar a legislação mais rígida; às escolas, cabe à conscientização dos alunos a fim de gerarmos futuros cidadãos adultos conscientes e às mulheres, finalmente, cabe denunciar mais os seus agressores e, para embasar sua proposta de intervenção social, a candidata parafraseia, agora, Simone de Beauvoir: “o opressor não seria tão forte se não encontrasse cúmplices entre os próprios oprimidos”.
Alguém pode pensar que há machismo nesta oração, colocando a mulher oprimida como cúmplice, mas pensamos que não foi o objetivo do texto. O real objetivo seria conscientizar as mulheres da importância da denúncia, pois sabemos que, infelizmente, muitas não denunciam seus agressores pelos mais diversos motivos.
Esperamos que tenham gostado da análise. Até a próxima!

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