Há alguns dias, arrumando livros e selecionando papéis antigos, deparei-me com um texto publicado pelo jornal Folha de São Paulo, que me trouxe à mente um problema bastante frequente nos textos dos alunos: erros na regência verbal!
O texto não apresenta problema especificamente de regência, mas há o emprego de verbos que dão margem a isso. Vejamos:
Não fomos apresentadosAlgumas semanas antes do impeachment de Collor, em 92, o vereador João Pedro (PC do B) subiu à tribuna da Câmara Municipal de Manaus para atacar o então presidente.Exaltado, João Pedro defendia a renúncia imediata de Collor ou a sua cassação pelo Congresso Nacional. No meio do discurso, a vereadora Lurdes Lopes (PFL) pediu um aparte ao colega e logo foi dizendo:– Nobre vereador, o presidente Collor de Mello não é nada disso. “Disconcordo” totalmente do senhor.João Pedro não perdoou o erro da parlamentar:– Vereadora, a senhora está agredindo o Aurélio.Sem perceber que o parlamentar se referia ao dicionário Aurélio, Lurdes passou a berrar, muito contrariada, provocando gargalhadas:– O senhor está fazendo uma acusação absolutamente infundada! Jamais falei mal do Aurélio. Aliás, nem conheço ninguém com esse nome!Folha de São Paulo, 11/1/2000 (adaptado)
No ‘causo’ acima, a vereadora criou um neologismo por meio de um procedimento conhecido como prefixação. É um processo bastante usual na formação de palavras. O problema foi que ela desconsiderou que já havia um elemento indicador de convergência [o co(n)- ] no termo concordar.
Os elementos que usamos como prefixos na língua portuguesa são, na sua maioria, antigas preposições latinas, as quais já carregavam informações. Muitas vezes, na evolução das palavras, as preposições acabaram ‘grudadas’ ao termo que vinha a seguir e os falantes foram perdendo a noção da presença delas e acabaram, muitas vezes, acrescentando mais uma, para garantir a clareza.
Foi o que ocorreu com “concordar” e “discordar”, que são verbos transitivos indiretos mas introduzem complementos por meio de preposições diferentes. Os prefixos que antecedem os radicais desses verbos (con, dis) já orientam quanto a esse sentido diferente: concorda-se “com” e discorda-se “de“. Deve-se então dizer: “Concordo com o nobre colega” ou “Discordo do nobre colega”.
Outra situação problemática envolvendo verbos e seus complementos, ou seja, questão de regência, ocorre quando o autor do texto quer ‘otimizar’ o trabalho do complemento e coloca um complemento apenas servindo a dois verbos. Às vezes, quando os verbos têm a mesma regência, não há desvio em relação à norma culta. Vejamos um caso de otimização adequada:
A consumidora foi à feira, escolheu e levou várias frutas.
Observemos que tanto escolher quanto levar são VTD, daí podermos colocar apenas um OD na sequência.
Porém, se os verbos tivessem regência diferente (um VTD e outro VTI, ou dois VTI ou VI, mas que exijam preposições distintas) essa otimização não seria possível. Observemos o que ocorre na frase abaixo:
Vi e gostei daquele sapato.
O problema aqui é que ver é VTD (não pede preposição) e gostar é VTI e pede preposição de. Dessa forma, não podemos usar apenas um termo para completar a ideia. O adequado seria:
Vi aquele sapato e gostei dele.
Outro exemplo de inadequação aparece nesta frase:
O rapaz foi e voltou de SP no mesmo dia.
Nesse caso temos o verbo ir, que rege preposição a, e voltar, que pede preposição de. Dessa forma, não podemos usar apenas um termo para completar a ideia (aqui não há complemento verbal, e sim adjunto adverbial de lugar). Adequando a frase à norma culta, teremos:
O rapaz foi a SP e voltou de lá no mesmo dia.
Temos, então, que tomar cuidado com as chamadas regências cruzadas, essa inadequação no emprego das preposições adequadas a cada verbo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário