Uma boa parte da população que frequentou e frequenta a escola no Brasil (já que, infelizmente, ainda há pessoas que não têm acesso à educação no nosso país) pensa que escrever bem é, apenas, escrever corretamente, de acordo com a gramática normativa e com a norma culta da língua.
Porém, ser um autor proficiente é muito mais do que saber regras de ortografia, concordância, regência, conjugação verbal, pontuação etc. Um texto acima da média requer um autor que o planeje por meio de uma postura autoral, isto é, uma atitude responsável pelo o que se escreve e objetivar um texto autônomo e que tenha uma progressão textual adequada. É isso, muito mais do que escrever corretamente, que o participante deve fazer na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e de qualquer outra prova, vestibular ou concurso.
Um texto planejado é aquele que, ao lermos, percebemos que foi pensado e organizado de maneira a progredir, ou seja, é um texto no qual o autor sabe de onde partir e para onde ir, muito mais do que ter um começo, um meio e um fim ou uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão. Há redações com todas estas “partes” bem estabelecidas, mas que não atingem uma progressão adequada em relação ao sentido, ao o que se quer dizer.
Assim, o Enem requer um texto coeso e coerente interna e externamente, que faça sentido no contexto da proposta e fora dela e é aqui que entra o conceito de autonomia.
Como devemos imaginar um leitor universal para o nosso texto e não o corretor ou o professor que o lerá (pois sempre escrevemos com algum objetivo, com uma motivação e, no caso da dissertação – argumentativa, nossa motivação é opinar sobre um tema e mostrar que o nosso ponto de vista é coerente) para alguém, para um leitor, devemos redigir um texto que “funcione” dentro e fora do contexto da prova, que qualquer um que não conheça a proposta do Enem possa ler e entender sem nenhum problema; é aquele texto que pode ser publicado em um jornal ou revista, por exemplo, sem nenhuma alteração.
Para tanto, deve-se possuir uma postura de autor e leitor proficientes ao longo de toda a jornada escolar e buscar no professor um mediador, uma pessoa que ajude nesse processo de tornar-se e formar-se um autor. Não basta ler muito para escrever bem, já que isso depende da concepção de leitura que temos. Quem pensa que ler é apenas decodificar, não será um bom autor, pois um bom autor lê reconstruindo o sentido do que lê, respondendo ativamente, concordando ou discordando, agregando, inferindo e reconhecendo os discursos ali presentes, as vozes as quais o autor daquele texto recorreu para escrever o seu (já que estamos sempre parafraseando o que já lemos, vimos ou ouvimos). O autor proficiente relaciona fatos, ideias e opiniões com as suas próprias concepções (terceira competência do Enem) em um texto autônomo, bem organizado e com progressão textual.
Um bom autor, por exemplo, não recorre à mera colagem dos textos da coletânea da proposta nem transforma essa cópia em fragmentados em um texto desarticulado, ou seja, apenas por copiar para preencher o vazio da folha em branco. Assim, além de mostrar que não conhece o tema proposto ou que não sabe utilizar seu conhecimento prévio para escrever, redige um texto com sérios equívocos de coesão e coerência, com muitos prejuízos à articulação interna.
Uma outra questão a qual o autor proficiente deve preocupar-se é com menção de dados incorretos: resultados de pesquisa, dados estatísticos, citações etc. Isso chama-se responsabilidade. O autor proficiente relaciona a coletânea com o que ele quer dizer.
O Enem busca autores com bom senso e criticidade, isto é, pessoas que saibam ponderar e que não escrevam sob fortes emoções e/ou sejam radicais, já que o radicalismo, por várias vezes, fere direitos fundamentais (quinta competência avaliada).
Assim, é importante fugir do senso comum e dos clichês. Por exemplo, muitos alunos colocam a culpa de todos os males do mundo no capitalismo, na influência das mídias (principalmente na televisiva) e da publicidade, na indústria da moda etc. Obviamente que há essa influência, mas ninguém nos obriga a nada. Caso numa proposta de redação sobre consumismo, por exemplo, o candidato afirmar que as pessoas consomem demasiadamente devido ao capitalismo e à influência da moda e nada mais, caiu no senso comum, pois é claro que somos bombardeados de propagandas, trocas de coleções, desfiles e o sistema capitalista objetiva o lucro, mas ninguém sai da TV, te pega pelo braço e te leva ao shopping para comprar uma roupa ou um celular novo. Por que as pessoas se deixam influenciar? O que elas buscam ao consumir tanto: preencher um vazio ou realmente comprar o que precisam? Quais as consequências disso?
Ir além, com progressão, planejamento e ser coerente é o que o Enem e os demais vestibulares e concursos que têm redações em suas provas buscam nos candidatos: um autor que entende a proposta (pois a prova de redação também é uma prova de leitura), conhece o tema e escreve um texto verdadeiramente autoral e autônomo; um texto, em todos os aspectos e não só nos gramaticais, nota 1.000, que dá vontade de ler de novo, pois é fluido, gostoso de ser lido e que lhe diga alguma coisa: o que o autor pensa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário