SE TODO ANIMAL INSPIRA TERNURA, O QUE HOUVE, ENTÃO, COM OS HOMENS?
Com toda a certeza vocês tiveram acesso àquela triste notícia do golfinho que foi assassinado por seres humanos que o retiraram da água para uma selfie. Assim como também tiverem acesso às tiradas brasileiras humorísticas a respeito do tema, dentre as quais a minha preferida foi “imagina que louco se um golfinho pegasse um bebê humano pra tirar uma selfie embaixo d’água?”. É, seria cômico se não fosse trágico.
Para celebrar a ignorância humana e refrescar nossa memória, também vale a pena lembrar outra notícia triste envolvendo a natureza e monstros, ops, pessoas. Lembram quando em setembro do ano passado um grupo de turistas, por meio de um evento “organizado” previamente no facebook, se reuniu na Praia Ostional, na Costa Rica para “ver” uma desova de tartarugas, e, é claro, causou um enorme desastre impedindo que a desova ocorresse??!
Pois bem, esses fatos isolados causados por pessoas mal informadas, – prefiro pensar isso a pensar que são seres cruéis e sem noção da vida -, geraram imensa comoção no facebook e viraram inclusive notícia de jornal. E é aí que começa o paradoxo constante da nossa sociedade, que como muito bem define Zygmunt Bauman, é liquida. (Para os que não conhecem esse conceito ou esse autor, recomendo que leiam com urgência. Tô falando sério.)
Acontece que muitas pessoas que condenaram os turistas que tiraram fotos com o golfinho, pagariam para assistir as atrações no SeaWolrd ou para tirar fotos com cobras envolta do pescoço. Sem o menor peso na consciência, tais pessoas, adorariam manusear tartarugas marinhas, passear ao lado de leões, e, é claro, subir no dorso dos amáveis elefantes e dar uma voltinha tranquila e suave tirando fotos das alturas com um ângulo perfeito para postar no instagram. Isso sem falar dos que são loucos por rodeios, por vaquejadas e afins…
Gente, desculpa dizer isso, mas pelo menos para os animais, a diferença entre as notícias que citei acima e as práticas turísticas que citei abaixo, é zero. Aliás, minto! Na segunda hipótese, por não ser um fato isolado, é ainda pior. Os animais utilizados para apresentações, passeios e atrações turísticas, são constantemente torturados, mantidos em um espaço muito aquém do necessário para satisfazer suas necessidades básicas, submetidos a treinamentos desgastantes todos os dias e descartados de maneira cruel quando deixam de gerar lucro ou quando apresentam alguma enfermidade em decorrência do trabalho pesado.
E o que leva então à nossa seletividade para o que é certo ou errado? Ou para o que é mais reprovável e menos reprovável? O fato de o golfinho estar numa piscina de poucos metros cúbicos nos dá a ideia de que ele não está sofrendo? O quão divertido deve ser passear pela floresta com uma cadeira de madeira nas costas cheia de seres humanos, não é mesmo? Imagina que louco ser dopada todos os dias para ficar de “boinha” e posar pra fotos nas costas de geral?
É imperioso repensar nossas atitudes e aquilo que consideramos natural e aceitável. Hoje em dia só o que vemos nas redes sociais é a distribuição gratuita de xingamentos, ofensas e julgamentos. Uma guerra de todos contra todos. Em lugar onde apontar o dedo é moda, a autocrítica é deixada de lado e o aprofundamento nas questões a que se pretende discutir é totalmente desconsiderado.
É claro que essas notícias causam revolta. Claro que dá vontade de concordar com o que falou Umberto Eco (rip) a respeito das redes sociais. Mas até que ponto a nossa empatia pelos animais é real, verdadeira? O que efetivamente nós estamos fazendo para evitar que surjam mais notícias como essa?Parafraseando Freud, qual a nossa responsabilidade na desordem da qual nos queixamos? Em que ponto estamos contribuindo com informação que seja útil? Disseminar o ódio, o rancor e a repudia, na minha humilde opinião, piora e muito a situação que já é caótica. O grande lance é disseminar informação verdadeira, canais de pesquisa. É ter sede de conhecimento e despertar a curiosidade.
Na encíclica sobre o meio ambiente, o Papa enfatiza muito a questão do cuidado da nossa casa comum. Vejam bem, nossa casa comum. Casa de todos, na qual todos somos responsáveis. E já que intitulei esse texto com uma frase de Guimarães Rosa, vou conclui-lo na mesma lógica. “A gente vive muito em voz alta, mas às vezes a gente não se ouve.”
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