Modernidade Líquida
O conceito de modernidade líquida foi construído pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman e é hoje um dos mais influentes nos estudos sociológicos.
A fluidez dos líquidos é comparada às dinâmicas sociais contemporâneas
O período que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial foi palco de mudanças rápidas e profundas de inúmeras características nas nossas relações sociais, instituições dos Estados, construções culturais e várias outras configurações do mundo social que se construiu durante o período que se denominou de “moderno”.
Para alguns estudiosos das disciplinas que se dedicam ao estudo desses fenômenos, essas mudanças foram tão significativas que eles acreditam que é preciso falar agora da superação ou do fim do período moderno, ou da pós-modernidade, por assim dizer. Essa transição teria ocorrido em função da quebra de certos paradigmas que seriam pilares de sustentação da Modernidade de um ponto de vista sócio-histórico. Esses pilares seriam as narrativas e ideologias fundadoras de explicações sobre o mundo social moderno que fundamentavam ações e perspectivas que agora já não mais se sustentam.
Zygmunt Bauman e a Modernidade Tardia
Entre os teóricos que tratam da modernidade tardia, ou da pós-modernidade, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman é uma referência absoluta. Sua obra trata de uma série de mudanças que se estabeleceu nas últimas décadas e que exerceu, e ainda exerce, grande influência sobre o mundo social contemporâneo. Entre elas, a globalização foi uma das maiores forças de transformação da paisagem social moderna. A aproximação, ou o “encurtamento das distâncias”, transformou as relações humanas de várias formas.
Em suas obras, Bauman cunha o termo “modernidade líquida” para tratar da fluidez das relações em nosso mundo contemporâneo. O conceito de modernidade líquida refere-se ao conjunto de relações e dinâmicas que se apresentam em nosso meio contemporâneo e que se diferenciam das que se estabeleceram no que Bauman chama de “modernidade sólida” pela sua fluidez e volatilidade. A ideia baseia-se na construção do conceito sócio-histórico de modernidade, que atravessa um enorme período da história humana e da mesma forma marca mudanças no pensamento e nas relações entre seres humanos e instituições sociais.
Modernidade sólida
As mudanças que se iniciaram com o renascimento, quando os ideais racionalistas começavam a ganhar força diante do pensamento tradicional, ampliaram-se no decorrer do tempo, tornando-se ponto de ruptura com as formas anteriores de organização social. Diante disso, os paradigmas constituídos nos períodos pré-modernos lentamente se dissolveram e deram lugar a novas formas de manutenção do mundo social. A religiosidade, por exemplo, deixou seu lugar de única provisora legítima de preceitos morais, responsáveis em grande parte pela mediação das ações dos sujeitos da época, e foi substituída pela formalização racional das leis civis e da ética. Esse mesmo processo de racionalização foi, em grande parte, responsável pela maioria das mudanças que se instauraram no período moderno.
Esse é o momento que Bauman se refere como “modernidade sólida”, pois ainda há fixidez nas relações sociais entre sujeitos e instituições sociais. A construção do sentimento de nacionalismo, por exemplo, é um dos pontos que Bauman diz servir como ponto de apoio da formação da identidade do sujeito na modernidade sólida.
Outra mudança profunda foi desempenhada pelo ideal do progresso baseado no pensamento racional e na ciência, que se tornaram motores dos avanços tecnológicos que se estabeleceram no período e que, por sua vez, mudaram toda a organização com a qual se relacionavam. O trabalho, por exemplo, que antes se baseava no processo de aprendizagem por imitação ou tradição passada de pais para filhos, agora se estabelecia de forma especializada e formal nas escolas técnicas em razão do progressivo aumento da complexidade das tarefas laborais relativas às indústrias e suas máquinas.
Esses exemplos servem para demonstrar que, enquanto os moldes tradicionais foram, sim, desconstruídos, eles foram também reconstruídos com outras configurações no momento inicial do período moderno, mantendo sua forma “sólida” e seu papel de ordenação do mundo social.
Modernidade líquida
Quando se chega à modernidade líquida, toda estrutura social montada em torno da relativa fixidez moderna dilui-se. Para Bauman, as relações transformam-se, tornam-se voláteis na medida em que os parâmetros concretos de “classificação” dissolvem-se. Trata-se da individualização do mundo, em que o sujeito agora se encontra “livre”, em certos pontos, para ser o que conseguir ser mediante suas próprias forças. A liquidez a que Bauman se refere é justamente essa inconstância e incerteza que a falta de pontos de referência socialmente estabelecidos e generalizadores gera.
São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que nossos contemporâneos sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de 'grupos de referência' predeterminados a uma outra de 'comparação universal', em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual (…) não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosa e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo. (BAUMAN, 2001)
O que acontece hoje é, então, uma repetição do que aconteceu antes na passagem do mundo pré-moderno para o moderno. O “derretimento” dos parâmetros sociais modernos é obra das mesmas forças de desconstrução dos paradigmas das sociedades tradicionais anteriores às sociedades modernas. Todavia, não há uma reconstrução de parâmetros “sólidos”. Estes permanecem em sua forma fluida, podendo tomar a forma que as forças sociais e individuais, em momentos específicos, determinarem.
Dessa forma, temos o sujeito líquido, aquele em que inúmeras identidades se manifestam em momentos diferentes. Um professor que se identifica como tal, por exemplo, agirá de uma forma diante da sua sala de aula e, em meio a uma torcida organizada de seu time, de outra forma. Os dois são parâmetros de identificação distintos, que muitas vezes podem ser conflitantes, mas que constituem a construção identitária de um mesmo sujeito.
Referência: BAUMAN, Zygmunt
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