A 16ª edição do Exame Nacional do Ensino Médio – Enem – foi realizada no último final de semana, nos dias 08 e 09 de novembro de 2014, e teve como tema da proposta de redação “Publicidade Infantil em Questão no Brasil”.
A banca elaboradora manteve a tradição do Enem em abordar temas atuais e relevantes para a sociedade brasileira ao escolher como tema a publicidade infantil no Brasil.
Muitos candidatos, entrevistados pelas mídias digital e impressa no último domingo, demonstraram surpresa em relação à temática da proposta de redação, pois alguns nunca tinham ouvido falar desta questão e outros apostavam em temas como Copa do Mundo no Brasil, os cem anos da Primeira Guerra Mundial, seca no sudeste brasileiro, preconceitos contra os nordestinos pós eleições presidenciais e até o vírus Ebola.
Em relação à Copa do Mundo no Brasil e à seca nos estados do sudeste brasileiro, estes temas eram improváveis, já que a banca elaboradora do Enem, em toda a sua história, nunca abordou temas previsíveis; o elemento surpresa faz parte de todo e qualquer vestibular. Ainda em relação à seca do sudeste, esta questão diz respeito, mais especificamente, aos estados do sudeste brasileiro (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo) e, portanto, não atende ao contexto brasileiro, como um todo, típico das propostas de redação do Enem.
Por esta mesma razão que temas como os cem anos da Primeira Guerra Mundial e o vírus Ebola também são improváveis como foco da prova de produção textual, já que dizem respeito a um contexto fora do Brasil. Temas relativos ao que acontece em outros países podem ser objetos de questões de múltipla escolha, mas dificilmente serão objetos da proposta de redação do Enem, pois este visa abordar temas relevantes ao contexto brasileiro.
Por fim, em relação aos preconceitos contra os nordestinos pós eleições – um fato horrível, que nenhuma discordância para com os resultados das eleições justifica, diga-se de passagem – devido ao tempo de elaboração da prova, também era um tema improvável.
Todo e qualquer vestibular é elaborado com muita antecedência até por motivos de impressão e de logística, ainda mais se pensarmos na amplitude do Enem. O candidato atento, que leu as referências dos textos da coletânea da proposta de redação do Enem 2014 notou que o primeiro texto foi extraído da página da BBC no dia 23 de maio deste ano e que o segundo texto, o infográfico, foi extraído da página do jornal Folha de São Paulo no dia 24 de junho deste ano. Assim, podemos concluir que o tema publicidade infantil foi escolhido antes do meio do ano e, por isso, não poderia ser algo que aconteceu após esta época.
Pensando nas próximas edições do exame, esta é uma dica: devemos nos atentar ao que acontece até a metade do ano do exame para nos prepararmos para a prova de redação. Portanto, para o Enem 2015, devemos nos atentar ao que acontece até a metade do ano que vem.
A temática da publicidade infantil esteve em alta nas mídias brasileira a partir do mês de abril deste ano, quando o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) publicou uma resolução que considerava abusiva a publicidade voltada às crianças e aos adolescentes. Assim, trata-se de um tema atual e relevante para toda a sociedade brasileira, já que abarca nossas crianças e adolescentes em relação à propaganda voltada para eles, o que nos remete a questões relacionadas ao consumo, ao direito de escolher, à influência das mídias etc.
O primeiro texto da coletânea textual, retirado da página da BBC, apresenta a problemática do tema, o que demonstra que a banca elaboradora do Enem não teve a intenção de prejudicar o candidato que não conhecia a questão da publicidade infantil.
O texto adaptado da BBC Brasil, além de explicar a resolução da Conanda (que estabelece como abusiva toda propaganda dirigida à criança que tem o objetivo de persuadi-la ao consumo de algum produto por meio de do uso de desenhos animados, cores chamativas, personagens infantis, linguagem infantil, trilha sonora, oferta de brindes) relata que tal atitude gerou um verdadeiro debate entre quem é a favor (ONGs de defesa das crianças e dos adolescentes e pais) e quem é contra (agências publicitárias e empresas que têm produtos licenciados).
Inclusive, o empresário e desenhista Maurício de Sousa e sua filha Mônica de Sousa (que, quando criança, inspirou seu pai a criar a personagem Mônica, que completou 50 anos recentemente) saíram em defesa, na época, de suas propagandas e de seus produtos licenciados da Turma da Mônica. Segundo eles, a resolução do Conanda é muito radical, pois proíbe toda e qualquer propaganda mesmo quando esta é feita com responsabilidade e com respeito às crianças.
A repercussão durou um bom tempo, já que no mês de agosto deste ano o programa global Na Moral, comandado por Pedro Bial, debateu o tema publicidade infantil e teve como convidadas a própria Mônica de Sousa e representantes de ONGs a favor da resolução do Conanda.
É importante destacar, ainda em relação à frase de comando do tema “Publicidade Infantil em Questão no Brasil” e ao primeiro texto da coletânea é que a construção “em questão” vem de encontro ao que o primeiro texto da coletânea afirma em relação à aplicação desta resolução, já que ela ainda está sendo discutida, ou seja, este tema está sendo debatido, ainda, e isso fica claro com a inserção da construção “em questão” no comando do tema.
Assim, o candidato ao Enem 2014 é convidado a debater a problemática da publicidade infantil que está sendo debatida no Brasil. O primeiro texto da coletânea ainda ressalta a negação dos empresários em aceitar a legibilidade do Conanda, já que há uma agência regulamentadora da publicidade brasileira que, de acordo com eles, é quem deveria tratar deste assunto.
Já o segundo texto da coletânea trata-se de um infográfico publicado pelo jornal Folha de São Paulo que retrata como alguns países, inclusive o Brasil, lidam com a questão da publicidade infantil.
Estados Unidos, Brasil e Austrália não possuem leis nacionais específicas para este fim, mas têm normas e acordos com o governo; Canadá e Noruega proíbem totalmente a publicidade infantil; a França apenas emite alertas e recomenda o consumo moderado e a alimentação saudável, já que quando falamos em publicidade infantil não estamos nos remetendo, apenas, a brinquedos, mas também a alimentos como lanches vendidos por redes de fast foods que criam kits especiais para crianças, inclusive com brinquedos; o Chile também emite estes alertas e proíbe parcialmente a publicidade infantil, já que estabelece regras como horários proibidos; Reino Unido e Suécia proíbem parcialmente também e, além disso, proíbem que imagens de personagens infantil apareçam em anúncios de alimentos para crianças; por fim, Irlanda, Itália, Dinamarca, Bélgica e Coréia do Sul proíbem parcialmente.
Este infográfico, além de retratar como alguns países do Mundo lidam com a questão da publicidade infantil, exemplifica que medidas podem ser tomadas, isto é, sugere ideias para a intervenção social do candidato que posicionar-se a favor da resolução do Conanda, ou seja, contra a publicidade infantil. Obviamente o candidato deveria ter tomando um certo cuidado para não copiar integralmente a legenda dos símbolos do infográfico para não configurar cópia da coletânea, mas parafraseá-las em sua proposta de intervenção social era viável.
Em relação à leitura do gráfico, o candidato atento notou que o símbolo que representa a proibição da exibição de personagens infantis em alimentos é o Mickey, o personagem mais famoso das empresas Disney.
Já o terceiro e último texto da coletânea da proposta de redação do Enem 2014 é um trecho adaptado de um livro que aborda a questão da criança em relação ao marketing e que enfatiza o quanto uma criança é um ser humano em processo de formação e, por isso mesmo, vulnerável às influências. O texto esclarece a importância de formarmos adultos conscientes em relação ao consumo, ciente de suas reais necessidades e de suas responsabilidades para com eles próprios e para com o coletivo.
Este último texto da coletânea traz, em sua essência, assim como o infográfico, a interdisciplinaridade. Questões como o capitalismo, o consumismo, a geração de lixo, a formação cidadã tão discutidas nas aulas de História, Biologia, Filosofia e Sociologia estão presentes neste texto.
Questionamentos como “Que tipo de consumidor estamos formando?”, “Que tipo de consumidor desejamos para o futuro?” e “Qual é o tipo mais adequado de consumo para o mundo de hoje e para o mundo do futuro?” deveriam ter sido levantados ao lermos a proposta de redação do Enem 2014.
Assim, o candidato deveria ter se posicionado contra ou a favor da publicidade infantil no Brasil debatendo o papel da família – será mesmo necessária uma resolução para regulamentar a publicidade infantil ou os pais e responsáveis é quem devem dizer o que seus filhos podem ver ou não? -, o papel do Conanda, dos empresários etc.
Antes de finalizarmos, é bom salientarmos que apesar da resolução do Conanda dizer respeito à publicidade infantil e juvenil, já que cita os adolescentes, o tema da proposta de redação do Enem 2014 foca, especificamente e somente, a publicidade infantil. Portanto, o candidato que abordou o público jovem tangenciou e até fugiu do tema, dependendo da grade de correção.
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