Há alguns anos a Unicamp, em seu vestibular, propôs uma questão que tinha como base uma comunidade da antiga rede social Orkut:
A proposição da questão deveu-se ao emprego bastante recorrente, porém inadequado, da palavra ‘mesmo’ como elemento de coesão referencial. A coesão referencial é o mecanismo por meio do qual retomamos uma ideia anteriormente apresentada no texto ou antecipamos o que ainda vai ser desenvolvido, sem que haja a repetição dos termos.
Para o estabelecimento dessas relações podemos empregar sinônimos, hiperônimos ou hipônimos e pronomes. Dentre os pronomes, os que fazem esse papel são, principalmente, os pessoais, os relativos e os demonstrativos. E entre os demonstrativos está o ‘mesmo’. Começam aí os problemas!
Embora o pronome “mesmo” seja demonstrativo, sua função é retomar uma oração ou reforçar um termo anterior, como vemos nas frases abaixo:
- Meu pai serviu o Exército e espera que eu faça o mesmo. (mesmo = servir o Exército – substituição de toda uma oração)
- Elas mesmas decoraram a casa. (mesmas reforça a ideia de que foram elas = elas próprias)
Temos, portanto, exemplos do correto emprego da palavra “mesmo” (e, no segundo caso, obedecendo as regras de concordância nominal).
O problema é que o pronome mesmo não substitui sempre um termo antecedente, como aparece na placa de advertência de elevadores:
“Antes de entrar no elevador, verifique se O MESMO encontra-se parado neste andar”.
“Antes de entrar no elevador, verifique se O MESMO encontra-se parado neste andar”.
No caso dessa frase a que a questão da Unicamp se refere, a coesão deveria ser estabelecida pelo pronome ‘ele’:
“Antes de entrar no elevador, verifique se ELE encontra-se parado neste andar”.
“Antes de entrar no elevador, verifique se ELE encontra-se parado neste andar”.
A retificação poderia, ainda, ser feita empregando-se a coesão por elipse:
“Antes de entrar, verifique se o elevador encontra-se parado neste andar”.
(elipse de ‘elevador’ na primeira oração)
“Antes de entrar, verifique se o elevador encontra-se parado neste andar”.
(elipse de ‘elevador’ na primeira oração)
O termo mesmo tem ainda outros empregos (corretos), quando pertence a outras classes de palavras:
- Como adjetivo, com sentido de adequado, conveniente, exato, idêntico etc.:
Resolvemos a equação, mas não obtivemos o mesmo resultado. - Como conjunção adverbial concessiva:
Mesmo ferido, o soldado salvou a vida de vários companheiros. - Como advérbio, com o sentido de “até”, “ainda” etc:
A vítima teve ferimentos leves e foi liberada ontem mesmo.
Foi aqui mesmo que meus pais se conheceram. - Em expressões como “dar na mesma”; “na mesma” ou “dar no mesmo”.
Para minha avó, tomar o remédio ou tomar um chá, dá no mesmo.
Assim, podemos empregar o mesmo sem receio, desde que tomadas essas precauções.
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