O texto desta semana foi motivado por uma postagem que apareceu numa rede social e rapidamente foi compartilhada por muitos dos meus amigos, o que fez com ela aparecesse inúmeras vezes diante dos meus olhos. A partir do incômodo que a postagem me causou produzi este texto, com algumas reflexões.
Na tal postagem, um médico ridicularizou o modo como um paciente, pessoa com pouca escolaridade, expressou seu problema de saúde e publicou a foto abaixo:
A postura do médico me trouxe à memória um texto do poeta Manuel Bandeira, muito apropriado como resposta ao posicionamento do rapaz:
Colocando a relação de Bandeira com a Língua Portuguesa em contraposição à relação do protagonista da notícia/postagem, podemos observar que há uma diferença muito grande no que é valorizado por eles em termos de uso da linguagem.
Existe uma distância entre a chamada norma culta ou norma padrão (na qual se obedece rigorosamente às regras da Gramática e é empregada em situações formais – a redação do ENEM, por exemplo) e a norma não-padrão ou norma vulgar (o termo ‘vulgar’ é empregado aqui sem o menor traço de depreciação, é apenas a forma como a Linguística se refere à variedade empregada por pessoas que não conhecem o padrão culto por terem tido pouco ou nenhum acesso à escolaridade). Entre esses dois extremos, está a linguagem coloquial, mais flexível que a primeira, mas não tão desobediente como a segunda.
Essa variação no emprego da linguagem também me trouxe à mente uma declaração do pedagogo Paulo Freire. Em uma entrevista, a respeito dessas variantes linguísticas, o pensador afirmou que “(…) oito milhões de meninos vêm da periferia do Brasil (…). Precisamos respeitar a (sua) sintaxe mostrando que sua linguagem é bonita e gostosa, às vezes é mais bonita que a minha. E, mostrando tudo isso, dizer a ele: ‘Mas para a tua própria vida tu precisas dizer ‘a gente chegou’ em vez de ‘a gente cheguemo’. ”
Na posição expressa por Freire, ele opta sabiamente pelo ‘caminho do meio’ de que falam as filosofias orientais: deve haver um equilíbrio. Na comunicação, esse equilíbrio deve ser buscado tendo-se em mente a adequação da linguagem à situação de comunicação e ao conhecimento linguístico que o receptor tem, no caso de o emissor ser alguém que domina o padrão culto do idioma. Como disse outro eminente professor, Mário Sergio Cortella, o conhecimento deve servir para encantar as pessoas, não para humilhá-las.
Assim, as pessoas devem sempre buscar o conhecimento, em qualquer das áreas com que se identifiquem, mas a linguagem será sempre a ferramenta para aprimorar esse conhecimento e deve ser empregada sempre pensando no melhor jeito de expressar as mensagens de maneira que sejam compreendidas pelos receptores do modo como os emissores a pensaram.
“Falar errado” não é um pecado mortal, é apenas uma consequência dos vários percalços pelos quais as pessoas podem ter passado ao longo da sua vida escolar (quando passaram pela escola) ou de uma escolha proposital do emissor, como fizeram Bandeira e outros modernistas. O que todos precisam é exercitar a empatia e o respeito ao próximo. E, no caso de quem domina as diferentes variantes, empregá-las de acordo com a situação, como recomendou Freire.
E é esse domínio da norma culta e da adequação à situação de comunicação que o candidato deve demonstrar na prova do Enem!
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1 de agosto de 2016
O FALAR ERRADO
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