“Nas redações dos vestibulares eles pedem a nossa opinião, mas não podemos opinar de verdade; temos de escrever o que eles querem ler”. “A condição de respeitar os Direitos Humanos é um tipo de censura na proposta de redação do Enem”. “Tenho amigos preconceituoso que foram bem na redação do Enem; eles mentiram”.
Estas e outras afirmações podem ser ouvidas em qualquer aula de produção de texto do Ensino Médio ou de um cursinho e podem ser lidas em comentários em redes sociais, blogs e sites diversos; eu mesma já ouvi de meus alunos, mais de uma vez. Também já as discuti aqui em outras publicações, quando tratei da questão do movimento Escola sem Partido, por exemplo.
Em tempos de polarização, muitas pessoas têm confundido liberdade de expressão com discurso de ódio, e não só em propostas de redação como a do Enem 2016 (Como combater a intolerância religiosa no Brasil?), na qual 4.798 candidatos feriram os Direitos Humanos e tiveram seus textos anulados.
A liberdade de expressão é um direito constitucional, ou seja, é garantido pela Constituição Federal de 1988 e deve ser mantido, pois vivemos em um regime democrático no qual a troca de ideias é essencial, porém, de uns tempos para cá, parece que os brasileiros não sabem mais debater um assunto sem rotular ou enquadrar o outro. Amizades estão sendo desfeitas, laços familiares estão sendo cortados porque ninguém mais ouve ninguém.
O discurso pautado na liberdade de expressão não ofende, não fere, não rotula, pois assim que rótulos são postos, o debate acaba. O discurso baseado na liberdade de expressão pode questionar e discordar, mas sem desrespeitar o alvo da discórdia.
Nesse sentido, as duas propostas de redação do Enem 2016, pois houve duas edições oficiais do exame, abordaram questões delicadas, mas importantes: intolerância religiosa e racismo. Um cristão, por exemplo, pode não concordar com algum aspecto de uma religião não-cristã, por exemplo, mas isso não significa que ele possa atacar um praticamente desta outra religião.
A liberdade de expressão permite o debate das diferenças e das discordâncias, mas não permite a ofensa e a exaltação da violência ou o seu incentivo. A ofensa e a violência estão presentes nos discursos de ódio, enunciados extremistas baseados, justamente, no ódio. É o caso do racismo, da homofobia, da misoginia, misandria, do machismo dentre outro; é quando palavras de baixo calão são usadas para ofender ou inferiorizar outra pessoa por conta de sua etnia, orientação sexual, identidade de gênero, religião, nacionalidade etc.
Deste modo, não há como confundir liberdade de expressão com discurso de ódio. Por isso que o respeito aos Direitos Humanos, na redação do Enem, não é, nem de longe, censura, pois a liberdade de expressão respeita a dignidade humana e, assim, respeita os Direitos Humanos. O discurso de ódio não respeita ninguém, a não ser o seu enunciador.
Não concordar com uma relação homoafetiva não dá o direito de atacar um casal homossexual com uma lâmpada em plena avenida Paulista, em São Paulo; não concordar com o candomblé não significa apedrejar uma jovem menina nas ruas do Rio de Janeiro.
Ao apoiar o respeito aos Direitos Humanos, pautado na liberdade de expressão, o Enem não censura nenhum candidato e sim toma frente ao combate aos discursos de ódio no exame, o que também é papel na escola ao objetivar formar cidadãos críticos e livres de preconceito, juntamente com as famílias dos alunos. Trata-se de um trabalho a longo prazo, de formiguinha, mas o passo foi dado.
Infelizmente, se 4.798 candidatos feriram os Direitos Humanos no Enem 2016, muito trabalho ainda há de ser feito, pois esse número, num ideal, deveria se zero.
Seja no Enem, no Twitter, no Facebook, no Instagram ou na mesa de jantar, vamos parar, refletir e respeitar a dignidade humana ao proferirmos nossas opiniões que, aliás, devem estar baseadas em argumentos que não desrespeitem os Direitos Humanos a fim de que possamos conviver na maior paz possível.
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16 de fevereiro de 2017
FERIR OS DIREITOS HUMANOS EM UMA REDAÇÃO
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