Os vestibulares pedem que os candidatos escrevam a redação dentro de determinado gênero. Solicitam que eles redijam um artigo de opinião, uma carta argumentativa, uma resenha crítica etc. O Enem prefere a dissertação argumentativa.
O termo “dissertação” geralmente denomina um tipo textual. São tipos também a descrição e a narração, que se distinguem da modalidade dissertativa por tratarem de elementos concretos da realidade. Enquanto a descrição e a narração representam o mundo (por meio de pessoas, lugares, ações), a dissertação visa a comentá-lo. Resulta de uma abstração, a partir do que é concretamente vivido, a fim de que se emitam conceitos, juízos, opiniões.
Os gêneros textuais tendem a eleger os tipos que melhor se ajustam aos seus objetivos pragmáticos e sociais. Um artigo de opinião, por exemplo, realiza-se por meio da modalidade dissertativa. Sendo assim, em princípio não se deve perguntar (como muitos alunos o fazem) qual a diferença entre um artigo e uma dissertação. Seria confundir gênero com modalidade (ou tipo) textual. Pode-se, isto sim, diferenciar artigo de resenha, notícia, editorial -- assim como se diferencia dissertação de descrição, narração ou de um texto injuntivo (que visa a dar comandos ou conselhos).
Aqui se chega ao ponto: privilegiando a dissertação argumentativa, o Enem a trata como gênero. Nessa perspectiva faz sentido a dúvida dos alunos, pois em classe eles estão habituados a produzir artigos, resenhas, editoriais -- e não uma “dissertação”. É natural que desejem saber em que esse gênero se distingue dos anteriores (a dúvida comum é entre dissertação e artigo).
Ao optar pela dissertação argumentativa, o Enem reabilita um velho gênero escolar. Entre as características desse gênero estão a impessoalidade, a clareza de linguagem, o rigor gramatical. Certamente por esses traços, a que se associa algum formalismo, ele se distingue do artigo de opinião. Este é mais oral, espontâneo, impressionista.
Tenho lido críticas à escolha do Enem, mas não acho que ela seja ruim. A dissertação tem um grau de objetividade que a torna adequada a todo tipo de aluno (mesmo os que não têm o chamado “jeito” para escrever). Depende mais de estudo, leitura e exercício do que de alguma habilidade congênita.
É melhor pedir uma dissertação do que embarcar de forma acrítica no modismo dos gêneros, que às vezes leva a escolhas descabidas. Por que alguém que pretende ser médico ou engenheiro tem que saber redigir uma notícia ou uma reportagem? Para quem não vai ser jornalista, essa é uma tarefa inútil. Há universidades que pedem a redação de uma crônica ou de uma palestra -- a primeira, um gênero literário; a segunda, um tipo de texto impossível de ser avaliado sem que também se julguem os méritos do palestrante (postura, desembaraço, capacidade de fisgar o ouvinte etc.).
Se o Enem quer que o candidato se posicione sobre temas controversos e transmita com clareza e correção as suas ideias, a dissertação argumentativa é um excelente meio de avaliar se ele faz bem isso.
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