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22 de janeiro de 2015

Análise de Tema da Redação UNESP 2015



No texto de hoje analisaremos a última proposta de redação de um dos vestibulares mais concorridos do Brasil, o da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquista Filho” (Unesp). Como dissemos na publicação do dia 08 de janeiro , fazer as propostas de redação dos principais vestibulares do país é uma estratégia mais do que acertada nos estudos para o Enem, já que a maioria dos exames requer uma dissertação-argumentativa, assim como o Enem.
O vestibular da Unesp é realizado pela Vunesp (Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista) e tem como característica abordar temas das mais variadas linhas, desde as de cunho social até as pessoais e filosóficas. No vestibular 2015, em sua primeira fase que foi realizada no dia quinze de dezembro de 2014, o tema da proposta de redação foi “O legado da escravidão e o preconceito contra negros no Brasil”1, que surpreendeu os candidatos, já que a Unesp é uma verdadeira caixinha de surpresas em termos de temas de propostas de redação. Apesar desta aparência tranquilidade, ressaltamos que o tema não é relacionado à escravidão passada, mas sim ao seu legado, às suas consequências, como o racismo, que, infelizmente, perduram até hoje no Brasil.
Desse modo, de antemão, o candidato deveria ter abordado as consequências atuais da escravidão (racismo) no Brasil e não no mundo todo ou em outro país. Dissertar sobre a história da escravidão, por exemplo, e não chegar ao seu legado atual é tangenciar o tema.
A proposta de redação, na íntegra, é a seguinte:
Texto 1
O Brasil era o último país do mundo ocidental a eliminar a escravidão! Para a maioria dos parlamentares, que se tinham empenhado pela abolição, a questão estava encerrada. Os ex-escravos foram abandonados à sua própria sorte. Caberia a eles, daí por diante, converter sua emancipação em realidade. Se a lei lhes garantia o status jurídico de homens livres, ela não lhes fornecia meios para tornar sua liberdade efetiva. A igualdade jurídica não era suficiente para eliminar as enormes distâncias sociais e os preconceitos que mais de trezentos anos de cativeiro haviam criado. A Lei Áurea abolia a escravidão mas não seu legado. Trezentos anos de opressão não se eliminam com uma penada. A abolição foi apenas o primeiro passo na direção da emancipação do negro. Nem por isso deixou de ser uma conquista, se bem que de efeito limitado.
(Emília Viotti da Costa. A abolição, 2008.)
Texto 2
O Instituto Ethos, em parceria com outras entidades, divulgou um estudo sobre a participação do negro nas 500 maiores empresas do país. E lamentou, com os jornais, o fato de que 27% delas não souberam responder quantos negros havia em cada nível funcional. Esse dado foi divulgado como indício de que, no Brasil, existe racismo. Um paradoxo. Quase um terço das empresas demonstra a entidades seriíssimas que “cor” ou “raça” não são filtros em seus departamentos de RH e, exatamente por essa razão, as empresas passam a ser suspeitas de racismo. Elas são acusadas por aquilo que as absolve. Tempos perigosos, em que pessoas, com ótimas intenções, não percebem que talvez estejam jogando no lixo o nosso maior patrimônio: a ausência de ódio racial.
Há toda uma gama de historiadores sérios, dedicados e igualmente bem-intencionados, que estudam a escravidão e se deparam com esta mesma constatação: nossa riqueza é esta, a tolerância. Nada escamoteiam: bem documentados, mostram os horrores da escravidão, mas atestam que, não a cor, mas a condição econômica é que explica a manutenção de um indivíduo na pobreza. […]. Hoje, se a maior parte dos pobres é de negros, isso não se deve à cor da pele. Com uma melhor distribuição de renda, a condição do negro vai melhorar acentuadamente. Porque, aqui, cor não é uma questão.
(Ali Kamel. “Não somos racistas”. www.oglobo.com.br, 09.12.2003.)
Texto 3
Qualquer estudo sobre o racismo no Brasil deve começar por notar que, aqui, o racismo é um tabu. De fato, os brasileiros imaginam que vivem numa sociedade onde não há discriminação racial. Essa é uma fonte de orgulho nacional, e serve, no nosso confronto e comparação com outras nações, como prova inconteste de nosso status de povo civilizado.
(Antonio Sérgio Alfredo Guimarães. Racismo e anti-racismo no Brasil, 1999. Adaptado.)
Texto 4
Na ausência de uma política discriminatória oficial, estamos envoltos no país de uma “boa consciência”, que nega o preconceito ou o reconhece como mais brando. Afirma-se de modo genérico e sem questionamento uma certa harmonia racial e joga-se para o plano pessoal os possíveis conflitos. Essa é sem dúvida uma maneira problemática de lidar com o tema: ora ele se torna inexistente, ora aparece na roupa de alguém outro.
É só dessa maneira que podemos explicar os resultados de uma pesquisa realizada em 1988, em São Paulo, na qual 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito e 98% dos mesmos entrevistados disseram conhecer outras pessoas que tinham, sim, preconceito. Ao mesmo tempo, quando inquiridos sobre o grau de relação com aqueles que consideravam racistas, os entrevistados apontavam com frequência parentes próximos, namorados e amigos íntimos. Todo brasileiro parece se sentir, portanto, como uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os lados.
(Lilia Moritz Schwarcz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário, 2012. Adaptado.)
Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva uma redação de gênero dissertativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema: O legado da escravidão e o preconceito contra negros no Brasil
O primeiro texto da coletânea afirma que a Lei Áurea, assinada em 1888, não garantiu a integral liberdade dos ex-escravos, o que é uma verdade. O candidato que estudou bem História, ao ler este texto de Emília Viotti da Costa, deveria ter relacionado estas afirmações com os fatos de que muitos negros, após a abolição, continuaram trabalhando nos mesmos lugares, pois não tinham para onde ir e os que foram embora das fazendas e das casas nas quais trabalhavam foram morar nas periferias das cidades; primeiramente, nos cortiços e, após uma limpeza urbana como ocorreu no Rio de Janeiro, nos morros. A novela Lado a Lado, da rede Globo, exibida entre os anos 2012 e 2013 mostrou muito bem este período histórico e foi uma bela aula de História.
Assim iniciou-se mais uma fase da vida da população negra à margem, literalmente, do restante da sociedade, ou seja, nas periferias e nos morros das cidades, isolados, afastados e sem nenhuma condição de qualidade de vida, o que ainda acontece nas favelas e comunidades por todo o país, infelizmente.
O segundo texto da coletânea, de autoria de Ali Kamel, de um modo é uma continuidade do primeiro texto, pois retrata a condição do negro no mercado de trabalho, mais especificamente em grandes empresas, e constata a pouca mão de obra negra e relaciona este fato não à cor da pele, mas sim à pobreza e à má distribuição da renda da qual a população negra é vítima desde a abolição da escravidão.
O candidato poderia, em sua redação, adicionar a isto o fato de que os trabalhadores negros ganham menos do que os branco inclusive quando ocupam os mesmos cargos e estes fatos estão conectados ao fato de que poucos estudantes negros conseguem adentrar nas universidades públicas e particulares do Brasil e, para tratar este problemas, as cotas foram criadas como medidas afirmativas. Porém, ressaltamos que a proposta de redação não trata das cotas raciais, mas elas podem ser trazidas pelos candidatos como estratégias argumentativas.
O terceiro texto da coletânea textual, por sua vez, contesta a afirmação ilusória de que, no Brasil, não há preconceito racial. Basta conversarmos com uma pessoa negra para verificarmos que isto é, realmente, uma mentira. A todo o momento temos provas disso, desde piadas racistas até publicidades e programas de televisão com cunho preconceituoso, como foi o caso de Sexo e as Nega da rede Globo, contrariando Lado a Lado. Nesta série, as mulheres negras são retratadas como objetos sexuais, nada mais e isto gerou inúmeras discussões, principalmente nas redes sociais, fato que pode ter sido colocado, pelos candidatos, como um legado da escravidão no Brasil.
O quarto e último texto da coletânea textual é uma continuação do terceiro e questiona, novamente, a inexistência do racismo no nosso país. Ninguém é racista, mas conhece um.
Os casos de racismo no futebol brasileiro que ocorreram em 2014 são um legado da escravidão brasileira. A torcedora do Grêmio que chamou de “macaco” o goleiro Aranha, do Santos, argumentou que tem amigos negros e que já saiu com homens negros, mas isso não justifica ela ter enchido a boca para ofender o jogador oponente.
O caso do casal de namorados – ela negra e ele branco – que postou uma foto juntos em uma rede social e foi alvo de preconceitos é um legado da escravidão no Brasil. E ainda há quem diga que não há racismo por aqui…
Portanto, o tema da proposta de redação da Unesp 2015 é pertinente, atual e importante e poderia muito bem ser uma proposta de redação do Enem com a adição da exigência de uma proposta de intervenção social que objetivasse eliminar, de fato e de vez, o racismo no Brasil.

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