O lema escolhido por Dilma Rousseff para o seu segundo mandato – Brasil: Pátria Educadora – é ruim e traz uma promessa vaga. Não que a educação não tenha que ser eixo central de qualquer país que pretenda continuar a existir. O problema é a forma com a qual o governo apresenta esse desafio e a dúvida quanto ao seu conteúdo.
Claramente escolhida em consonância com as recomendações de seu marqueteiro João Santana, a ideia tenta dialogar com os protestos de rua de junho de 2013 com dois temas que estiveram presentes: o resgate de um certo patriotismo e a demanda por educação.
A utilização do termo “pátria'' em qualquer processo público no Brasil me dá arrepios por conta do nacionalismo tosco que evoca. Afinal, é usado exaustivamente em regimes autoritários, como a última ditadura militar brasileira, a fim e promover o sentimento de amor à terra pátria (aliás, bem melhor seria se fosse “mátria'', terra materna, mas isso é outra discussão). Alguém que esteve presa por anos e foi torturada por uma ditadura bizarra saberia disso. Mas a memória é condicionada às necessidades políticas.
Quando alguém ergue um cartaz escrito “Educação'' em um protesto, sabe o que essa pessoa está dizendo? Absolutamente nada. Junho de 2013 contou com vários temas que funcionaram como o que Bourdieu chama de “fatos-ônibus'' – que não chocam ninguém, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo. Alguns desses temas foram os veículos usados por jovens que foram às ruas manifestar sua sensação de descontentamento com o poder (seja ele qual for) e demonstrar sua insatisfação com a falta de perspectivas que enxergavam.
Mas dizer apenas “Educação'', seja em um cartaz ou em um lema governamental, não agrega nada. Porque a educação pode ser emancipadora (o que é bom) ou doutrinadora (o que é péssimo). Em junho de 2013, serviu como veículo da catarse. Em janeiro de 2015, para preencher um vazio de ação política.
Considerando que seu governo caminha para não assumir uma posição firme de luta visando a profundas transformações sociais, faria sentido optar por um lema que seguisse a toada aberta em seu discurso de vitória, em outubro do ano passado. Algo como “Brasil: Construindo Juntos um País'' ou qualquer coisa nesse sentido.
Passando as perfumarias, entramos no problema em si. Se Dilma tivesse planos reais de colocar a educação como ponto central de seu governo, deveria ter começado produzindo um documento com propostas que se assemelhasse realmente a um Programa de Governo. Contudo, o que ela divulgou durante a campanha eleitoral foi uma compilação de cifras realizadas e promessas de novas cifras, com pouca discussão sobre a concepção que seu grupo político tem para educação. Por exemplo, pouco tratou da valorização dos professores – aspecto central para a educação de qualidade.
Dos programas dos três candidatos mais votados, o dela foi – de longe – o mais vago. “Ah, mas programa de governo não vale nada, é só formalidade.'' Se é assim, então no que vou basear minha escolha eleitoral? Apenas na emoção trazida por crianças sorrindo no horário eleitoral gratuito, correndo – em câmera lenta – por uma estrada de terra em direção a uma escola rural, com uma música de fundo que faz chorar e um close no rosto da mãe orgulhosa antes dela dizer que vai votar em determinada pessoa? Fala sério…
O programa de Marina, após assumir como candidata, era o melhor dos três. Sente-se a influência da participação de Neca Setúbal, que é da área. O de Aécio Neves, abertamente neoliberal, também era um plano mais detalhado que o de Dilma.
Sem uma discussão sobre concepção de educação e de um posterior plano de ação baseado nessa concepção, os 10% do Produto Interno Bruto que devem ser destinados a essa área tem boas chances de irem para o ralo da má utilização ou mesmo desviado pela corrupção.
Em outras palavras, para quem colocou a educação como lema de seu governo, falta um plano para colocar isso em prática. Parece a história de um jornal que primeiro produz uma manchete pensando na audiência e, somente depois, faz uma reportagem para preencher o espaço.
É claro que a educação não é tocada apenas pelo governo federal, mas também pelos estados e municípios. Mas a União tem um papel importante para além do financiamento. Ela atua na definição de uma base curricular nacional, de programas de educação integral, na formação de professores (inicial e continuada), no currículo do cursos de pedagogia e das licenciaturas, no piso salarial, na carreira docente, nos processos de avaliação externos. É grande sua influência como indutor de políticas para redes estaduais e municipais. Exemplo, 60% dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que é federal, é carimbado para a valorização docente.
O governo Dilma não possui um plano integrado do que ainda está por ser feito. Deve seguir o Plano Nacional de Educação, que é uma importante compilação de metas. Se seguido à risca pode, sim, reduzir a desigualdade no acesso e aumentar a permanência na escola, mas ele pouco aborda a concepção de ensino, tanto para alunos quanto a formação de professores. E se queremos produzir mão de obra de qualidade para os desafios deste século e, muito, muito mais importante do que isso, se queremos empoderar cidadãos para serem capazes de se tornarem protagonistas de suas próprias histórias e não apenas um tijolinho no muro, precisamos de um.
A última tentativa de traçar uma concepção para educação ocorreu no governo Fernando Henrique (não estou avaliando se ela foi bem sucedida ou não, porque sabemos que ela não avançou). É daquela época o trabalho em cima dos Parâmetros Curriculares Nacionais (que acabaram sendo adotados por vácuo, ou seja, pela falta de outra política) e a própria Leis de Diretrizes e Bases da educação, que é boa, mas não foi aplicada totalmente e corretamente.
Vale lembrar que a discussão sobre que tipo de formação de professores nós precisamos e como fazer isso acabou interditada pelo relacionamento conflituoso entre membros do governo FHC e setores da academia. O curso de pedagogia, que acabou sendo caminho obrigatório, substituindo o antigo magistério, forma de professores polivalentes (de todas as disciplinas da Educação Infantil e do primeiro ciclo do Fundamental), a gestores e pesquisadores. Portanto, a preparação para o que acontece dentro da sala de aula saiu prejudicada.
A gestão Fernando Haddad no Ministério da Educação, só para efeito de comparação, agiu mais na produção de indicadores de qualidade para os diversos níveis de educação, na ampliação do financiamento com o Fundeb e na ampliação do acesso ao ensino superior (novas universidades federais, Fies, Prouni) – o que foi importante, mas não traçou um planejamento de longo prazo para uma nova concepção de educação.
Por fim, um governo que afirme que vai colocar a educação como prioritária não deveria jogar com a sorte. A vinda de Cid Gomes para a pasta está sendo vendida como um reconhecimento à evolução do município de Sobral, onde ele foi prefeito, e os programas de alfabetização tocados em seu governo no Ceará. E olhe que nem estou lembrando de quando ele afirmou que professor tem que trabalhar por amor e não por dinheiro.
Mas, na prática, ele vem como homem forte de um grupo político com votos no Congresso Nacional (a governabilidade, sempre ela…) que, dessa forma, vai ajudar na sustentação ao governo federal. Há outros quadros políticos ou puramente técnicos que seriam a demonstração de que Dilma quer um plano para melhorar a educação do país (quer, porque ela não tem). Ficaram de fora.
Por isso, com base no ministério escolhido, salvo algumas exceções, acho que “Brasil: A Zoeira Nunca Termina'' ainda é o lema mais apropriado. E o mais sincero.
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