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9 de outubro de 2016

PESSOAS VERBAIS


Uma das muitas diferenças entre a variante da Língua Portuguesa empregada no Brasil e a usada pelos lusitanos é a substituição do pronome pessoal tu pelo de tratamento você, em várias das nossas regiões.
Não há problemas de obediência à norma padrão nessa substituição, porém precisamos ter em mente que o pronome ‘tu’ é a 2ª pessoa, já o ‘você’, pronome de tratamento, é 3ª pessoa (assim como todos os demais pronomes dessa classe). Essa diferença de pessoas gramaticais tem decorrência em outros aspectos na construção dos textos: a concordância nominal e a verbal.
É muito comum, na língua falada, nas situações de pouca formalidade, a mistura de 2ª e 3ª pessoas, como ocorre na música “Sutilmente”, do Skank:
E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
E quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo
Sutilmente disfarce…
Mas quando eu estiver morto
Suplico que não me mate (não)
Dentro de ti
Dentro de ti
Na letra dessa linda canção, podemos ver os verbos conjugados no Imperativo (abrace, afaste, disfarce, não me mate), na 3ª pessoa, dirigindo-se a um(a) interlocutor(a) que é tratado(a) por você, porém, no final, há uma troca e surge a 2ª pessoa, na forma do pronome pessoal ti.
Já na canção “Beija eu”, gravada por Marisa Monte, isso se inverte: as formas verbais no Imperativo estão na 2ª pessoa (deixa (tu), aceita, deita…), mas os pronomes possessivos são de 3ª pessoa (seu).
Seja eu,
Seja eu,
Deixa que eu seja eu.
E aceita
O que seja seu.
Então deita e aceita eu.
Molha eu,
Seca eu,
Deixa que eu seja o céu
E receba
O que seja seu.
Anoiteça e amanheça eu.
Há ainda outra ‘licença poética’ quando aparece o pronome pessoal do caso reto eu como complemento dos verbos (beija eu, molha eu…). Em uma entrevista, Arnaldo Antunes, o autor da letra, disse que fez esse uso, como referência ao filho, que falava assim quando pequeno.
Sabemos que o Enem não cobra questões puramente gramaticais, mas o tema variantes linguísticas sempre esteve presente nas provas nos últimos anos, então, mesmo que não se cobre a explicação gramatical, os alunos precisarão identificar o uso da variante culta em oposição à variante coloquial ou informal.
E por falar em cobrar, o ITA cobrou, em uma questão, a música Cobra, da Rita Lee, na qual aparece exatamente essa mistura de formas de 2ª e 3ª pessoas, num jogo linguístico entre a expressão ‘não cobre’ (imperativo negativo, 3ªp.s), cobra (imperativo afirmativo, 2ª p.s) e serpente (sinônimo do substantivo cobra).
(ITA) Os versos abaixo são da letra da música “Cobra”, de Rita Lee e Roberto de Carvalho:
Não me cobre ser existente
Cobra de mim que sou serpente
Com relação ao emprego do imperativo nos versos, podemos afirmar que:
a) a oposição imperativo negativo e imperativo afirmativo justifica a mudança do verbo cobre/cobra.
b) a diferença de formas (cobre/cobra) não é registrada nas gramáticas normativas, portanto há inadequação na flexão do segundo verbo (cobra).
c) a diferença de formas (cobre/cobra) deve-se ao deslocamento da 3ª para a 2ª pessoa do sujeito verbal.
d) o sujeito verbal (3ª pessoa) mantém-se o mesmo, portanto o emprego está adequado.
e) o primeiro verbo no imperativo negativo opõe-se ao segundo verbo que se encontra no presente do indicativo.
E se você pensou na alternativa C como resposta, acertou!

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