Uma das muitas diferenças entre a variante da Língua Portuguesa empregada no Brasil e a usada pelos lusitanos é a substituição do pronome pessoal tu pelo de tratamento você, em várias das nossas regiões.
Não há problemas de obediência à norma padrão nessa substituição, porém precisamos ter em mente que o pronome ‘tu’ é a 2ª pessoa, já o ‘você’, pronome de tratamento, é 3ª pessoa (assim como todos os demais pronomes dessa classe). Essa diferença de pessoas gramaticais tem decorrência em outros aspectos na construção dos textos: a concordância nominal e a verbal.
É muito comum, na língua falada, nas situações de pouca formalidade, a mistura de 2ª e 3ª pessoas, como ocorre na música “Sutilmente”, do Skank:
Na letra dessa linda canção, podemos ver os verbos conjugados no Imperativo (abrace, afaste, disfarce, não me mate), na 3ª pessoa, dirigindo-se a um(a) interlocutor(a) que é tratado(a) por você, porém, no final, há uma troca e surge a 2ª pessoa, na forma do pronome pessoal ti.
Já na canção “Beija eu”, gravada por Marisa Monte, isso se inverte: as formas verbais no Imperativo estão na 2ª pessoa (deixa (tu), aceita, deita…), mas os pronomes possessivos são de 3ª pessoa (seu).
Há ainda outra ‘licença poética’ quando aparece o pronome pessoal do caso reto eu como complemento dos verbos (beija eu, molha eu…). Em uma entrevista, Arnaldo Antunes, o autor da letra, disse que fez esse uso, como referência ao filho, que falava assim quando pequeno.
Sabemos que o Enem não cobra questões puramente gramaticais, mas o tema variantes linguísticas sempre esteve presente nas provas nos últimos anos, então, mesmo que não se cobre a explicação gramatical, os alunos precisarão identificar o uso da variante culta em oposição à variante coloquial ou informal.
E por falar em cobrar, o ITA cobrou, em uma questão, a música Cobra, da Rita Lee, na qual aparece exatamente essa mistura de formas de 2ª e 3ª pessoas, num jogo linguístico entre a expressão ‘não cobre’ (imperativo negativo, 3ªp.s), cobra (imperativo afirmativo, 2ª p.s) e serpente (sinônimo do substantivo cobra).
(ITA) Os versos abaixo são da letra da música “Cobra”, de Rita Lee e Roberto de Carvalho:
Com relação ao emprego do imperativo nos versos, podemos afirmar que:
a) a oposição imperativo negativo e imperativo afirmativo justifica a mudança do verbo cobre/cobra. b) a diferença de formas (cobre/cobra) não é registrada nas gramáticas normativas, portanto há inadequação na flexão do segundo verbo (cobra). c) a diferença de formas (cobre/cobra) deve-se ao deslocamento da 3ª para a 2ª pessoa do sujeito verbal. d) o sujeito verbal (3ª pessoa) mantém-se o mesmo, portanto o emprego está adequado. e) o primeiro verbo no imperativo negativo opõe-se ao segundo verbo que se encontra no presente do indicativo.
E se você pensou na alternativa C como resposta, acertou!
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9 de outubro de 2016
PESSOAS VERBAIS
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